O blog publica artigo de Adilson Luiz Gonçalvez, que colabora também com o site
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LIÇÃO DE CASA
Por Adilson Luiz Gonçalves
(*)
Nos anos de 1970, os centros e diretórios acadêmicos eram objeto de disputas acirradas entre a “esquerda” e a “direita”. Era comum haver muita conotação política e pouca preocupação acadêmica. As “ideologias” eram diferentes, mas os métodos de ação eram muito parecidos: Todos tinham um discurso “democrático”, dogmático. A maioria pertencia, “geograficamente”, à “turma do fundão”, só que de cantos diferentes. De um lado, os anticomunistas, pró-EUA, do outro, os antiimperialistas, pró-URSS. Eram capazes de decorar doutrinas políticas, mas, incompetentes para entender as aulas, ou fazer as lições de casa. Tinham a fórmula para resolver todos os problemas do mundo, por mais complexos que fossem; mas precisavam de “cola” para passar... Mesmo assim, desprezavam e hostilizavam quem se ocupava de algo que eles consideravam totalmente incompatível com o ambiente escolar: estudar!
As aulas, para eles, eram um contratempo... Um empecilho à sua atuação política “revolucionária” ou “conservadora”; ao grande papel que atribuíam a si próprios. Afinal, havia uma “guerra” lá fora! Assim, a maioria preferia ficar no pátio, no banheiro – fumando, ou coisa pior -, na sala do centro, ou nem ir à escola, para participar de reuniões com seus mentores. Dos dois lados, muitos aceitaram a condição de “olheiros” ou “patrulheiros”. De todos os lados, valia tudo, inclusive coação física e psicológica. Era um micro-cosmo da “Guerra Fria”! Mas, havia os que acreditavam no que diziam. Também tinha os que queriam manter, orientados por seus grupos sociais, seu estilo de vida e, com isso, ter um futuro garantido e tranqüilo, por tradição. Também havia muito rancor e dor, por perdas irreparáveis...
As linhas “linhas” doutrinárias também tinham os que queriam ser “heróis”, ou, simplesmente, “aparecer”, ou seja: a maioria. Mas era no discurso “democrático” que residia a maior incoerência de grande parte desses grupos: Em época de eleição acadêmica era um festival de denúncias e pedidos de impugnação de chapas de situação e oposição. Chegavam, quase, às vias de fato! Lembro, uma vez, de ir ao diretório acadêmico de minha faculdade, em época de eleição estudantil, para buscar uma apostila: Lá chegando, ouvi duas alunas, da chapa da situação, dizendo, indignadas, que iam fazer de tudo para eliminar a concorrência, pois eles eram a única opção certa... Já farto desse tipo de maniqueísmo, e de ouvir discursos que contrariavam as práticas, falei: - Mas que raio de democracia é essa que vocês defendem? Vocês não querem nem dar chance dos alunos julgarem e escolherem!
Pra quê... Foi uma tal de aparecer gente na porta, que “escondia” os diretores da área de atendimento, só para me “filmar”!
A adolescência é, sempre foi e sempre será um solo fértil para a doutrinação: massa de manobra! E os simples estudantes tinham que suportar esse clima, e freqüentemente, sofrerem as conseqüências periféricas dessas disputas...
A “evolução” de muitos desses "líderes" estudantis demonstra que alguns levaram essa “experiência democrática” para sindicatos e partidos.
Era assim na minha escola... Foi assim por todo o Brasil, e continua sendo em todo o mundo! Mas a adolescência passa, e a maturidade traz, quando a deturpação não é profunda, o discernimento e a compreensão, para mudar essas práticas. Mas, o que se vê é que, quando assumem a condição de mudá-las, a opção preferencial é por mantê-las, perpetuando ou justificando o que execravam! No final das contas, parece que o discurso ideológico: romântico e heróico, era o que menos importava: havia, sim, o gosto e o fascínio pelo poder, ou uma compensação para o mau desempenho acadêmico ou esportivo, ou para carências afetivas! Havia, claro, exceções, e muitos deram suas vidas – ou as tiveram, destruídas -, por acreditarem, piamente, em causas que consideravam nobres! Outros, não se sabe bem por quê, perderam aquela pureza e convicção democrática. Alguns desses, que se indignavam ao ver filmes de Costa Gravas, lembram, hoje, a música de Belchior: “Está em casa, guardado por Deus, contando o vil metal”, de indenizações e pensões, muitas delas autoconcedidas. Entretanto, há os que permanecem fascinados e agarrados ao poder! Continuam com discursos antagônicos, inflamados e cheios de retórica, bonitos no papel e na oratória; mas, comportam-se como moscas, na alternância de poder... Assim, em todos os âmbitos, existem pequenos e grandes ditadores, dissimulados ou não, cercados de pouca competência técnica, e muita mediocridade oportunista, aduladora e mal-intencionada. As revoluções ideológicas, armadas ou não, que pregavam, deram lugar ao mesmo pragmatismo nefasto; e, infelizmente, é preciso que alguém, de dentro, sinta-se preterido ou traído, para que o “pano” caia, e revele as verdadeiras intenções, por detrás das aparências. Mas, até nisso os valores estão distorcidos, pois “demônios” subitamente são elevados à categoria de “santos”, ou são convidados a desnudarem, também, e com lucro, seus corpos.
Para mudar, precisamos de uma revolução, sim, mas, de princípios! É preciso aprender a dosar, por toda a vida, o ímpeto puro e avassalador da juventude, com a lucidez que se espera da maturidade! É preciso saber que para representar o povo é preciso compreendê-lo, em vez de enganá-lo! É preciso entender, que uma mentira, repetida, pode ser terrível, quando ilude os outros; mas, assume contornos trágicos, quando ilude, também, quem a concebe!
(*) Adilson Luiz GonçalvesEscritor, Engenheiro, Professor Universitário, Articulista e Cronista
Autor do livro: "Sobre Almas e Pilhas", Editora: Espaço do Autor
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