Notícia do sítio
"Consultor Jurídico", de terça-feira (com hífen, ok?), 10 de julho de 2007:
Má administração
Justiça condena ex-prefeito por crime de responsabilidadeO ex-prefeito de Taperoá (PB), Geraldo Noé de Farias, foi condenado a 13 anos e dois meses de prisão. A sentença foi assinada pelo juiz da cidade, José Jackson Guimarães, que julgou procedente em parte a denúncia oferecida pelo Ministério Público Estadual.
Prefeito de Taperoá, entre 1° de janeiro de 1992 a 31 de dezembro de 1996, Farias foi condenado pelos crimes de responsabilidade previstos no Decreto-Lei 201/67. Na sentença, o juiz concedeu ao réu o benefício de apelar em liberdade.
As condutas que motivaram a condenação do ex-prefeito foram: admissão de servidores sem concurso público; não recolhimento do Imposto de Renda retido na fonte; não recolhimento de contribuição previdenciária dos servidores comissionados e prestadores de serviços; não recolhimento do imposto sobre serviços; aquisição de bens e serviços destinados à doação sem notas fiscais e identificação dos beneficiários; construção de barragem em área particular e utilização de dinheiro público para confecção de cadernos personalizados.
Comentário do blog: Será que um prefeito neófito, porém imbuído de boa-fé (ou 'pureza de intenções') - mas cercado por alguns mais vaidosos do que o próprio rei, também conhecidos na política como
"áulicos", ou "
cortesãos palacianos, grupos não vinculados a nenhum partido político..." - sabe que distribuir nota para a imprensa, solicitando divulgação de reunião de partido político ao qual pertence o ordenador de despesas, pode ser considerado ato de infração político-administrativa e/ou outras tipificações contidas no Decreto-lei número 201, de 1967?
Seria muito boa a leitura do "Mestre dos Mestres", Hely Lopes Meirelles,
in Direito Municipal Brasileiro, citado no artigo do ilustre Rogério Tadeu Romando, que este blog publica abaixo, para reflexão:
O PREFEITO E A PERDA DE MANDATO
Por Rogério Tadeu Romano
I – INTRODUÇÃO
Prefeito é o chefe do Executivo municipal, agente político, dirigente supremo da Prefeitura.
É o Prefeito agente político por excelência, pois investido em mandato, cargo, por eleição, possuindo prerrogativa e responsabilidade própria.
Na gestão dos recursos financeiros federais e estaduais, presta contas aos órgãos que os liberam e aos respectivos Tribunais de Contas.
Nos crimes comuns ou funcionais, na melhor lição de HELY LOPES MEIRELLES, “Direito Municipal Brasileiro”, p. 821, responde o Prefeito sempre e unicamente perante o Poder Judiciário, sujeitando-se à correção judicial de seus atos administrativos que ofendam direitos individuais.
Eleito pelo povo, pelo sufrágio popular, sob a égide de princípios democráticos, o Prefeito pode, em seu mandato, cometer ilícitos vários: criminais, de responsabilidade, de improbidade.
Coloca-se como indagação central: Pode o Prefeito perder o mandato por decisão judicial sem que fale a Câmara de Vereadores?
Pode o Promotor de Justiça, com base na Lei n.º 8.429/92, investigar atos de improbidade do Prefeito em exercício e requerer ao Juiz singular que processe essas ações de improbidade, impondo a perda do cargo ou a suspensão dos direitos políticos?
Parece-nos que cabe à Constituição Federal disciplinar as hipóteses de competência ou delegar à norma infraconstitucional tais fixações. Sendo, assim, a própria Constituição disciplina a perda de direitos políticos ou perda de cargo das mais altas autoridades do País, como os Presidentes da República, da Câmara, do Senado, os Ministros dos Tribunais Superiores, seja por processo iniciado por ação penal originária, ou por processo por crime de responsabilidade ou por infração político-administrativa de que resulte impeachment.
E a situação do Prefeito? Resta-nos analisar o caso, à luz da Constituição Federal, do Decreto-Lei n.º 201/67 e da Lei de Improbidade.
II – O DECRETO-LEI N.º 201/67
Respondendo à indagação do ilustre advogado, Dr. PAULO DE TARSO FERNANDES, o Professor Emérito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e um dos maiores publicistas brasileiros, Dr. MÚCIO RIBEIRO DANTAS aduziu que o Decreto-Lei n.º 201/67 foi revogado pela Constituição de 1988 quanto ao estabelecimento da competência à Câmara Municipal para o julgamento do Prefeito, nas infrações político-administrativas. Caberia, portanto, no sistema da Constituição da República de 1988, e, no plano estadual, da Constituição do Rio Grande do Norte de 1989, só ao Tribunal de Justiça julgar Prefeito, seja por crime comum, de responsabilidade ou mesmo nas chamadas infrações político-administrativas.
No entendimento do Professor MANOEL GONÇALVES não se poderia dar à Câmara, órgão legislativo, função jurisdicional, sem dispositivo constitucional expresso.
Diante da incompatibilidade da lei anterior e a Constituição nova, o caso é de revogação, na linha de VICTOR NUNES LEAL e, assim, estaria revogado o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 201/67.
Por certo, a cassação do mandato do Prefeito por incurso em infração político-administrativa, definida no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 201/67, embora deliberada por uma corporação legislativa, a Câmara de Vereadores, não era impeachment, dado o seu caráter de sanção definitiva e autônoma, sem dependência. Poderia ser antes do Decreto-Lei n.º 201/67 um impeachment, não depois.
O Colendo Supremo Tribunal Federal entendeu ser o Decreto-Lei n.º 201/67 válido, em parte, perante a Constituição de 1988 que, ampliando a autonomia dos Municípios, a estes entregou a tarefa de disciplinar o processo de cassação de mandados municipais, bem como definir infrações político-administrativas, por meio de lei local, ou até mesmo na sua lei orgânica. O Decreto-Lei n.º 201/67 teve seus artigos 4.º e 5.º derrogados a partir da vigência da Constituição de 1988.
O Decreto-Lei n.º 201/67 continua a reger os crimes de responsabilidade dos Prefeitos municipais sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário elencados no artigo 1º daquele diploma legal, incisos I a XV. Na verdade, crimes comuns, julgados pelo Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara de Vereadores (art. 1º), apenas com pena de reclusão e de detenção (art. 1º e § 1º). Diversos são os ilícitos, chamados infrações politico-administrativas, crimes de responsabilidade. Na melhor lição, já traçada, no passado, por HELY LOPES MEIRELLES, pelo extinto Tribunal Federal de Recursos e pelos tribunais de São Paulo (Alçada e Justiça), incide o Decreto-Lei n.º 201/67, mesmo após a perda do cargo.
A competência jurisdicional é do Colendo Tribunal de Justiça, a teor do artigo 29, X, da CRFB, para julgar os crimes disciplinados no art. 1º do Decreto-Lei n.º 201/67. Se a prática delituosa tiver relação com bens, ou interesses da União, autarquias e empresas federais, a competência é dos Tribunais Regionais Federais (RTFR 38/219).
São conseqüências da condenação por qualquer dos crimes dispostos no art. 1º:
a) a perda do cargo de Prefeito;
b) a inabilitação, pelo prazo de 5 anos, para o exercício de cargo ou função pública;
c) suspensão de direitos políticos (CRFB, art. 15, III);
d) inelegibilidade.
Observe-se que o Supremo Tribunal Federal cancelou a Súmula n.º 394, entendendo-se que as prerrogativas de foro não devem ter interpretação ampliativa que alcance ex-Prefeitos, a teor do voto do eminente Ministro SYDNEY SANCHES, no Inq. 687-SP (Q.O.).
Ora, perda de cargo é conseqüência da condenação, mas não se confunde com cassação de mandato, atribuição da Câmara de Vereadores, nos limites da lei orgânica. A cassação surgirá por falta funcional, de natureza político-administrativa, prevista na lei, que determina, após procedimento regular e julgamento da edilidade, pelo voto de 2/3 dos membros, o afastamento do cargo.
Por logicidade, afastando, data venia, posicionamento já havido no HC 67.721-SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, aplica-se o Decreto-Lei n.º 201/67, mesmo após a vigência do mandato.
A condenação definitiva por ilícito penal, assim reconhecido pelo Tribunal de Justiça, na melhor lição de TITO COSTA, “Responsabilidade de Prefeitos e Vereadores”, p. 198, obriga o Presidente da Câmara a declarar extinto o seu mandato, porém, após processo regular da perda do mandato, aberto amplo direito de defesa. O mesmo raciocínio seria aplicado para perda de mandato, ausência de posse ou ocorrência de impedimento.
Já se decidiu que a competência para declarar a perda do mandato do Prefeito eleito, após cientificada da decisão judicial transitada em julgado, é da Câmara Municipal, por tratar-se de questão política. Somente a essa compete iniciar e decidir sobre a reintegração do Prefeito ao cargo, visto que comunicada do julgado.
No entanto, é pacífico que se o Prefeito cometer um ilícito penal previsto no artigo 1º do Decreto-Lei n.º 201/67 será, de imediato, processado pelo Judiciário, independentemente de manifestação da Câmara.
III – DA IMPROBIDADE
À luz do artigo 37, § 4º, da Constituição Federal é prescrito que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário na forma da lei n.º 8.429.
É competente o juízo de primeira instância para processar e julgar prefeito por ato de improbidade, não se aplicando o artigo 29, X, da CRFB, que diz respeito a ilícito penal.
Da mesma maneira, aplica-se simetria com a ação popular que, em regra, exige instrução e julgamento junto a juízo de primeiro grau.
Interpretam-se estritamente os dispositivos que instituem exceções às regras gerais firmadas pela Constituição. Assim se entendem os que favorecem algumas profissões, asseguram prerrogativas a determinadas classes de indivíduos. É o que leciona o mestre CARLOS MAXIMILIANO, “Hermenêutica e aplicação do direito”, p. 313, 9ª edição, Forense. Some-se a isso a natureza cogente das normas que disciplinam competência em sede constitucional, cuja base é de ordem pública.
Com esses argumentos, permite-se em procedimento não penal, próprio do julgamento da improbidade, que um juiz de 1º grau, instrua e julgue fatos arrolados na Lei n.º 8.429 (Lei de Improbidade).
A perda do mandato do Prefeito é preceito a ser cogitado em lei orgânica, a teor do art. 29 da CRFB.
Com isso, queremos dizer que o máximo que o Promotor pode pedir na ação de improbidade é a sanção pecuniária contra o Prefeito. A perda de cargo é matéria entregue à Câmara de Vereadores, observada lei orgânica diante de infração administrativa de que resulte cassação de mandato, pois essa nos parece a forma expressa na Constituição. Trata-se de ato que depende de deliberação do Plenário da Câmara, por maioria de 2/3 dos membros.
O que não pode é o mandato popular ficar entregue a juízo de primeiro grau, quando o maior mandatário do Município tem foros próprios para perda de seu mandato.
IV – O PREFEITO E A CONDENAÇÃO CRIMINAL
Recentemente o Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário n.º 225.019-60, Rel. Min. NELSON JOBIM, entendeu inaplicável, por analogia, aos Prefeitos que sofrerem condenação penal transitada em julgado, a norma que assegura aos Deputados Federais e Senadores o direito de a perda do mandato ser decidida pela Mesa da Casa respectiva (artigo 55, § 2º, da CRFB). Com base nesse entendimento, o Tribunal deu provimento para reformar a decisão do Tribunal Superior Eleitoral. Salientou-se que incide, na espécie, o parágrafo sexto do Decreto-Lei n.º 201/67, recebido pela Constituição de 1988, o qual determina em caso de condenação criminal, a extinção do mandato do Prefeito, cabendo ao Presidente da Câmara de Vereadores apenas declarar a sua extinção.
V – OBSERVAÇÕES FINAIS
Por fim, lembro que se no curso do inquérito civil, o Promotor verificar a possibilidade de ocorrência de infração penal por parte do Prefeito, no exercício do cargo, deve, de imediato, remeter peças ao Procurador-Geral de Justiça. No caso do Procurador da República o expediente será a remessa de peças ao Chefe da Procuradoria Regional da República, sem prejuízo de continuar a apuração da responsabilidade civil por meio de inquérito civil, observando quanto ao pedido da inicial na ação de improbidade as questões supra transcritas.