Aquidauana: Veja a sentença judicial que reduz os salários dos vereadores
Sentença de Mérito (Art. 269 do CPC)
Vistos
O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, através da Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e Social, ajuizou Ação Civil Pública em desfavor do MUNICÍPIO DE AQUIDAUANA e OUTROS, devidamente qualificados.
Alega o autor, em síntese:
a) que, atavés da Procuradoria-Geral de Justiça, recebeu denúncia anônima, noticiando a ocorrência de possíveis irregularidades na fixação do valor do subsídio dos vereadores de diversos municípios do Estado de Mato Grosso do Sul, sendo que, segundo a referida denúncia, os valores fixados estariam, em muitos casos, acima do limite previsto constitucionalmente;
b) que, tendo em vista a mencionada denúncia, foi instaurado procedimento para apurar eventual irregularidade na fixação dos subsídios não só dos vereadores da Câmara Municipal de Aquidauana, como também do Prefeito Municipal, Vice-Prefeito e Secretários;
c) que dimana da lei que o subsídio dos vereadores (no caso o subsídio dos vereadores de Aquidauana) deve ser fixado tendo por base o disposto nos arts. 29, VI, "b", 29-A, I e § 1º, 37, X e XI e 39, § 4º, todos da Constituição Federal;
d) que, no Município de Aquidauana, o subsídio dos vereadores para a presente legislatura (2005-2008) foi fixado através da Lei n.º 1.968/2004, que estabeleceu como limite máximo o correspondente a trinta por cento (30%) do subsídio dos Deputados Estaduais, observados os limites previstos na Constituição Federal, na Constituição Estadual e na Lei Orgânica do Município;
e) que, em razão da citada Lei n.º 1.968/2004, ficaram estabelecidos os seguintes valores: Vereador R$ 4.500,00, Vereador Investido no cargo de 1º Secretário R$ 4.950,00 e Vereador investido no cargo de Presidente R$ 5.350,00;
f) que, como se observa do texto legal, a Câmara Municipal estabeleceu um limite máximo a ser pago aos vereadores (30% do subsídio dos Deputados), sendo que a remuneração que de fato recebem varia de acordo com o valor do orçamento da Casa, observando-se sempre o limite estabelecido no § 1º, do art. 29-A, da Constituição Federal;
g) que, conforme informação prestada pelo Presidente da Câmara Municipal de Aquidauana, para o ano de 2005, foi estabelecido o valor do subsídio dos vereadores em R$ 2.800,00, tendo em vista que o orçamento para o referido ano foi de R$ 1.248.647,00. Já o subsídio fixado para este ano (2006), à vista do novo valor do orçamento (R$ 1.560.000,00), passou a ser de R$ 3.640,00;
h) que, o subsídio que vigorou para a legislatura 2001-2004, foi estabelecido através da Resolução n.º 004/2000, da Câmara Municipal, que o fixou no valor de R$ 1.800,00. Posteriormente, mais precisamente no mês de março de 2003, foi promulgada a Lei Municipal n.º 1.863/2003, que majorou aquele valor para R$ 3.000,00 dentro da mesma legislatura, contrariando frontalmente a regra prevista no art. 29, VI, da Constituição Federal;
i) que não se objetiva com a presente ação discutir se o valor dos subsídios fixados pela Câmara Municipal de Aquidauana, através da Lei n.º 1.968/2004 está ou não correto, ou seja, se está dentro dos parâmetros estabelecidos na legislação. O que se pretende é a declaração da nulidade do ato legislativo que culminou com a edição da Lei Municipal n.º 1.968/2004, uma vez que não foi obedecido o prazo previsto no art. 21 da Lei Complementar n.º 101/2000;
j) que a Lei Municipal n.º 1.968/2004, que "Dispõe sobre os subsídios dos vereadores para a legislatura que se iniciará em 1º de janeiro de 2005, e dá outras providências", foi promulgada no dia 25 de novembro de 2004, prevendo um aumento no valor do subsídio dos vereadores municipais, resultando, por conseguinte, num aumento de despesa com pessoal;
k) que, no entanto, a Lei Complementar n.º 101/2000, quando trata do controle da despesa com pessoal, dispõe, em seu art. 21, parágrafo único, que "Também é nulo de pleno direito o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder ou órgão referido no art. 20";
l) que, uma vez que a Lei n.º 1.968/2004 estabeleceu aumento do subsídio dos vereadores do Município de Aquidauana no dia 25 de novembro de 2004, ou seja, há menos de 40 dias do final do mandato, violou o disposto no art. 21, parágrafo único, da Lei de Responsabilidade Fiscal e, por este motivo, deve ter sua nulidade declarada;
m) que, declarando-se a nulidade da lei referida, o valor do subsídio dos vereadores de Aquidauna deve passar a ser o estipulado através de ato válido anterior, qual seja, o fixado pela Resolução n.º 004/2000, da Câmara Municipal. Isso porquê a Lei Municipal n.º 1.863/2003, que estabeleceu novo valor para o subsídio, após a Resolução n.º 004/2000, é flagrantemente inconstitucional, visto que, ao ser promulgada no dia 10 de março de 2003, feriu a regra da legislatura, prevista no inciso VI, do art. 29, da Constituição Federal;
n) que a aplicação das disposições da Lei Municipal n.º 1.968/2004 vem causando prejuízos ao Município de Aquidauana, já que aumenta sua despesa com o pagamento do subsídio dos senhores vereadores, de forma ilegal. Com base nos argumentos supra, finda o representante ministerial pugnando (sic) "...seja concedida liminar determinando ao Presidente da Câmara Municipal de Aquidauana:
a) a suspensão do pagamento do subsídio dos vereadores do município de Aquidauana, feitos com base na malfada lei n. 1.968/2004, face sua flagrante ilegalidade;
b) que o pagamento seja feito, doravante, com base na Resolução n. 004/2000, que fixou o valor da aludida remuneração em R$ 1.800,00 (mil e oitocentos reais), tendo em vista a insconstitucionalidade da lei municipal n. 1.863/2003, como acima anunciado;
c) o pagamento de multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), para o caso de descumprimento da ordem, além da responsabilização pelo crime de desobediência;
d) seja encaminhada a este juízo, mensalmente, até o julgamento final do processo, a documentação que comprova os pagamentos efetuados aos vereadores do município, com os respectivos valores recebidos...". Pugnou, também, que, ao final, "...seja julgada procedente a presente ação, para o fim de:
1) declarar a nulidade da lei municipal n. 1.968/2004 e, incidentalmente, a inconstitucionalidade da lei municipal n. 1.863/2003, determinando, por consequência, e em definitivo, que o pagamento do subsídio dos vereadores do município de Aquidauana, doravante, seja feito com base no valor fixado pela Resolução n. 004/2.000, da Câmara Municipal de Aquidauana, sob pena de pagamento da multa diária anteriormente fixada;
2) condenar os vereadores a devolverem aos cofres do Município de Aquidauana, com juros e correção monetária, os valores recebidos acima dos R$ 1.800,00, fixado pela mencionada Resolução..." (grifo do Blog)(f. 2-13).
Juntou os documentos de f. 14-171. A liminar pleiteada foi concedida (f. 175-185). Devidamente citados, a Câmara Municipal de Aquidauana e os vereadores requeridos apresentaram resposta escrita, na forma de contestação.
Alegaram, em síntese:
a) que a declaração da inconstitucionalidade da lei municipal n.º 1.863/2003 deve ser feita em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, perante o Tribunal de Justiça, não podendo ser utilizado o controle difuso para este fim, visto que a decretação de inconstitucionalidade, in casu, importará na extinção total da norma, gerando efeito generalizado;
b) que o art. 21 da Lei de Responsabilidade Fiscal não impede o exercício do poder de legislar, proibindo apenas a edição de ato administrativo que seja lesivo ao erário, proporcionando aumentos com visão eleitoral ou mesmo que inviabilizem a próxima administração, o que não aconteceu no caso em apreço;
c) que na fixação do subsídio dos vereadores de Aquidauana, todos os limites impostos pela Constituição Federal foram observados, sendo que, a aludida constituição, quando se refere à fixação do subsídio dos agentes políticos, não autoriza nenhuma regulamentação através de Lei Complementar, e sim e tão somente, nas suas próprias disposições e na Lei Orgânica Municipal;
d) que a própria Constituição Federal obriga, de maneira indireta, que a fixação do subsídio dos vereadores seja feita no segundo semestre do último ano do mandato anterior, pois em seu art. 29, VII, determina que "o total da despesa com a remuneração dos Vereadores não poderá ultrapassar o montante de cinco por cento da receita do Município". Ocorre que a Câmara Municipal, titular da competência de fixação dos subsídios, só tem conhecimento da receita municipal estimada para o ano seguinte, quando do envio do projeto de Lei do Orçamento, que se dá somente no segundo semestre, após a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias, analisada obrigatoriamente até o fim do primeiro semestre, sendo que, somente após a aludida aprovação é que conhece os parâmetros necessários para estabelecer os referidos subsídios;
e) que a presunção de nulidade de pleno direito contida no parágrafo único do art. 21 da LRF não pode decorrer de mera irregularidade ou de vícios formais do ato atacado, sendo que a presunção de lesividade não existe no caso em tela, visto que a desobediência ao parágrafo único retro mencionado se deu, justamente, em função da observância das exigências contidas na Constituição Federal que, a grosso modo, vale mais que a Lei de Responsabilidade Fiscal;
f) que deve ser observado o caráter alimentar dos subsídios dos vereadores;
g) e que o Ministério Público não suscitou a matéria econômica financeira em sua peça vestibular. Com base nas razões supra, findaram os requeridos pleiteando o acatamento da preliminar arguida, extinguindo-se o feito sem exame do mérito, pela inadequação da via eleita. Pugnaram, também, a decretação da total improcedência dos pedidos iniciais (f. 238-254). O Município requerido deixou de apresentar resposta. Em impugnação à contestação oferecida, o Ministério Público reiterou os argumentos e razões elencados na peça primeira e rebateu as argumentações trazidas pelos demandados.
Relatei.
Decido.
DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE
Uma vez que a resolução das questões controvertidas independe da produção de prova em audiência, tem lugar o julgamento antecipado da lide, na esteira do que preceitua o art. 330, I, do Código de Processo Civil.
DA PRELIMINAR SUSCITADA
Na resposta apresentada, alegam os requeridos que o presente feito deve ser extinto sem análise do mérito, uma vez que seria inadequada a via eleita pelo representante ministerial. Aludem os réus que a declaração da inconstitucionalidade da lei municipal n.º 1.863/2003, pugnada pelo órgão ministerial, deve ser feita em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, perante o Tribunal de Justiça, não podendo ser utilizado o controle difuso para este fim, visto que a decretação de inconstitucionalidade, in casu, importará na extinção total da norma, gerando efeito generalizado, o que seria indevido. Todavia, a preliminar suscitada improcede. Como bem frisado na impugnação apresentada, o E. Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento no sentido de ser possível a declaração incidental de inconstitucionalidade, em sede de ação civil pública, de qualquer lei ou ato normativo do Poder Público, desde que a controvérsia constitucional instalada não figure como pedido, mas sim como causa de pedir, fundamento ou simples questão prejudicial, de análise indispensável à resolução da lide principal. A propósito, confira-se: "Não há óbice à propositura de ação civil pública fundada na inconstitucionalidade de lei, desde que a declaração de inconstitucionalidade seja causa de pedir e não faça parte do pedido principal ou subsidiário. Precedentes do Supremo e do STJ" (in DJU de 07.03.2007, p. 214). No caso em exame, o pedido principal apresentado pelo órgão ministerial consiste na condenação dos requeridos à devolução dos valores que teriam recebido indevidamente dos cofres municipais, em decorrência da nulidade da Lei n.º 1.968/2004 e da inconstitucionalidade da Lei n.º 1.863/2003. Assim, não objetiva a presente ação efetivar o controle direto de constitucionalidade de lei ou ato normativo, sendo a questão constitucional mera prejudicial do exame do pedido principal. Assim, uma vez que a questão constitucional suscitada não faz parte do pedido principal ou subsidiário apresentado, perfeitamente possível a sua análise através da via difusa. Fica rejeitada a preliminar suscitada.
DO MÉRITO
Compulsando todos os elementos e provas carreados aos autos, pode-se concluir que a pretensão principal inicialmente apresentada pelo órgão ministerial deve ser acolhida. A Lei Complementar n.º 101/2000, quando trata do controle da despesa com pessoal da administração, é clara ao dispor, em seu art. 21, parágrafo único, que "Também é nulo de pleno direito o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal expedido nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder ou órgão referido no art. 20". No caso em apreço, a Lei Municipal n.º 1.968/2004, ao estabelecer aumento do subsídio dos vereadores de Aquidauana no dia 25 de novembro de 2004, ou seja, há menos de 40 dias do final do mandato, violou frontalmente o disposto no art. 21, parágrafo único, da Lei de Responsabilidade Fiscal e, por este motivo, deve ter sua nulidade declarada. Cumpre frisar que o E. Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, ao analisar casos idênticos ao presente, por diversas vezes assentou entendimento exatamente consentâneo com o pleito inserido na inicial.
Confira-se: "E M E N T A AÇÃO CIVIL PÚBLICA PRELIMINAR CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO DE APELAÇÃO PEDIDO NÃO CONHECIDO, POIS O RECURSO PRÓPRIO SERIA O AGRAVO DE INSTRUMENTO ERRO GROSSEIRO INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE ILEGITIMIDADE ATIVA DA CÂMARA MUNICIPAL AFASTADA VISTO QUE A LIDE VERSA SOBRE INTERESSES INSTITUCIONAIS USO DA CAPACIDADE JUDICIAL MÉRITO APLICABILIDADE DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL AO PODER LEGISLATIVO INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA A FIXAÇÃO DE SUBSÍDIOS PARA OS VEREADORES E SECRETÁRIOS DEVE RESPEITAR O PRAZO DE 180 DIAS PREVISTOS NO ART. 21, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LC 101/2000 PREQUESTIONAMENTO MATÉRIA SUFICIENTEMENTE DEBATIDA PELO TRIBUNAL RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E IMPROVIDO" (DJ-MS de 05.05.2006). "E M E N T AAGRAVO DE INSTRUMENTO LIMINAR EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA LEI MUNICIPAL QUE AUMENTA SUBSÍDIOS DO PREFEITO, DO VICE-PREFEITO, DOS SECRETÁRIOS MUNICIPAIS E DOS VEREADORES INOBSERVÂNCIA DO ART. 21 DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES PARA A CONCESSÃO DA MEDIDA DECISÃO REFORMADA RECURSO PROVIDO. Deve ser concedida liminar em ação civil pública contra ato normativo municipal que afronta norma federal, diante da presença do fumus boni iuris. A lei municipal que aumenta os subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito, dos Secretários Municipais e dos Vereadores no período compreendido na proibição imposta pela Lei de Responsabilidade Fiscal, pode gerar periculum in mora inverso, autorizando a concessão de liminar para suspender seus efeitos até trânsito em julgado da ação civil intentada (grifo do Blog)" (DJ-MS de 04.04.2006).
"E M E N T A AGRAVO DE INSTRUMENTO PRELIMINAR DE VIOLAÇÃO DO ARTIGO 526 DO CPC REJEITADA PRELIMINAR DE NULIDADE DA DECISÃO NÃO ACOLHIDA AUMENTO DOS SUBSÍDIOS DOS AGENTES POLÍTICOS DO MUNICÍPIO NOS 180 DIAS ANTES DO TÉRMINO DO MANDATO FUMAÇA DO BOM DIREITO LIMINAR MANTIDA RECURSO NÃO PROVIDO. Tendo a parte agravante acostado aos autos de origem cópia do agravo de instrumento, isso, via de regra, é suficiente para se cumprir o disposto no artigo 526 do CPC, não havendo necessidade de também ser juntada cópia dos documentos que instruíram o recurso. Não há falar em nulidade da decisão pelo fato de, na ação civil pública, a liminar ter sido concedida sem prévia oitiva da pessoa jurídica de direito público interessada (artigo 2º da Lei 8.437/1992), porquanto, no caso, tal decisão não prejudicou o respectivo Município. Pelo contrário, beneficiou-lhe ao impedir o aumento dos subsídios dos seus agentes políticos. Do mesmo modo, também não se pode dizer que tal medida teria esgotado o objeto da lide (artigo 1º, § 3º, da Lei 8.437/1992), pois, independentemente da suspensão do pagamento do aumento, ele continuará sendo regularmente discutido. Entendimento contrário levaria à total imprestabilidade da liminar em casos da espécie. O fato de a Lei de Diretrizes Orçamentárias do Município ter eventualmente previsto recursos suficientes para as despesas com os agentes políticos não altera a violação à Lei de Responsabilidade Fiscal. No mesmo sentido, a circunstância de os subsídios dos vereadores estarem atrelados ao dos deputados estaduais também não tem o condão de impedir o aumento de despesa com pessoal nos 180 dias anteriores ao término do mandato, regra que, por força do artigo 18 da citada lei, aplica-se aos agentes políticos. Pouco importa, assim, se tal aumento estaria ou não correto. Igualmente, é irrelevante se cogitar de ser possível reajuste periódico que incidisse no período, a princípio, vedado, porquanto não se trata do reajuste dos servidores públicos na respectiva data-base. Enfim, existem elementos suficientes para se convencer da fumaça do bom direito hábil à concessão da liminar"
(DJ-MS de 11.11.2005). "E M E N T A AGRAVO DE INSTRUMENTO LIMINAR EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA LEI MUNICIPAL QUE AUMENTA SUBSÍDIOS DE PREFEITO, VICE-PREFEITO, SECRETÁRIOS MUNICIPAIS E VEREADORES NÃO-OBSERVÂNCIA DO ART. 21 DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES PARA A CONCESSÃO DA MEDIDA DECISÃO MANTIDA RECURSO IMPROVIDO. Deve ser concedida liminar judicial em ação civil pública contra ato normativo municipal que afronta norma federal, diante da presença do fumus boni iuris. A lei municipal que aumenta os subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito, dos Secretários Municipais e dos Vereadores, no período compreendido na proibição imposta pela Lei de Responsabilidade Fiscal, pode gerar periculum in mora inverso, autorizando a concessão de liminar para suspender seus efeitos até trânsito em julgado da ação civil intentada"
(DJ-MS de 23.08.2005). "E M E N T A AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO DECISÃO MONOCRÁTICA QUE CONCEDE LIMINAR EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA LEI MUNICIPAL QUE AUMENTA SUBSÍDIOS DE PREFEITO, VICE-PREFEITO, SECRETÁRIOS MUNICIPAIS E VEREADORES INOBSERVÂNCIA DO ART. 21 DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES PARA A CONCESSÃO DA MEDIDA DECISÃO MANTIDA RECURSO NÃO PROVIDO. Deve ser concedida liminar judicial em ação civil pública contra lei municipal que afronta norma federal, diante da presença do fumus boni iuris. A lei municipal que aumenta os subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito, dos Secretários Municipais e dos Vereadores no período compreendido entre a proibição imposta pela Lei de Responsabilidade Fiscal pode gerar periculum in mora inverso, portanto, autoriza a concessão de liminar para suspender seus efeitos até trânsito em julgado da ação civil intentada" (DJ-MS de 06.07.2005).
Veja-se, pois, que a nulidade da Lei Municipal n.º 1.968/2004, que dispôs sobre o subsídio dos vereadores do Município de Aquidauana, para a legislatura que se iniciou em 1º de janeiro de 2005, deve ser prontamente declarada, ante à sua evidente afronta à Lei de Responsabilidade Fiscal (grifo do Blog). Também deve ser ressaltado que a edição da Lei Municipal n.º 1.968/2004 afrontou diretamente os princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade, visto que proporcionou à maioria dos então vereadores do Município de Aquidauana a confecção de lei visando seus próprios interesses, visto que alguns já sabiam que iriam novamente ocupar o cargo de vereador no mandato seguinte, por força de eleição que já havia sido concluída (grifo do Blog). Firmado, pois, o entendimento no sentido de que deve ser declarada a nulidade da Lei Municipal n.º 1.968/2004, suspendendo-se o pagamento dos subsídios dos vereadores do Município de Aquidauana com base na referida lei, cumpre asseverar qual dispositivo legal irá amparar a continuidade do pagamento dos aludidos subsídios. Pois bem. Conforme narrado na peça inicial e constatado através da análise da documentação acostada, antes da vigência da Lei Municipal n.º 1.968/2004, o subsídio que vigorou para a legislatura 2001-2004, foi o estabelecido através da Resolução n.º 004/2000, da Câmara Municipal, que o fixou no valor de R$ 1.800,00. Posteriormente, mais precisamente no mês de março de 2003, foi promulgada a Lei Municipal n.º 1.863/2003, que majorou aquele valor para R$ 3.000,00 dentro da mesma legislatura, contrariando frontalmente a regra prevista no art. 29, VI, da Constituição Federal. Assim, ante à flagrante inconstitucionalidade da Lei Municipal n.º 1.863/2003, que desde já fica declarada, não pode a mesma ser utilizada para respaldar o pagamento dos subsídios dos vereadores municipais, tendo em vista a ilegalidade da regra emanada posteriormente, qual seja, a Lei n.º 1.968/2004. Deve, então, o subsídio dos senhores vereadores do Município de Aquidauana, ser calculado com base no regramento insculpido na Resolução n.º 004/2000, da Câmara Municipal de Aquidauana, que é a única regra antecedente válida sobre a matéria, e que não contraria, a princípio, as regras legais e constitucionais (grifo do Blog).
DAS ALEGAÇÕES APRESENTADAS NA RESPOSTA
Na contestação apresentada, os requeridos (com exceção do Município de Aquidauana-MS) argumentam que o art. 21 da Lei de Responsabilidade Fiscal não impede o exercício do poder de legislar, proibindo apenas a edição de ato administrativo que seja lesivo ao erário, proporcionando aumentos de despesas com visão eleitoral ou mesmo que inviabilizem a próxima administração, o que não aconteceu no caso em apreço. Todavia, a argumentação referida improcede. A Lei de Responsabilidade Fiscal deve ser aplicada no caso em exame, uma vez que as leis mencionadas na inicial não passam de autênticos atos administrativos, uma vez que editadas para regular situações concretas, não possuindo caráter geral e abstrato, tal como ocorre com as leis propriamente ditas. Assim, por serem simples atos de gestão, ainda que elaborados na forma de lei, por força de mandamento constitucional, devem se submeter aos regramentos da Lei de Responsabilidade Fiscal. Argumentam, também, os demandados que responderam à inicial, que na fixação do subsídio dos vereadores de Aquidauana, todos os limites impostos pela Constituição Federal foram observados, sendo que, a aludida Constituição, quando se refere à fixação do subsídio dos agentes políticos, não autoriza nenhuma regulamentação através de Lei Complementar, e sim e tão somente nas suas próprias disposições e na Lei Orgânica Municipal. Todavia, também a referida argumentação mostra-se improcedente. Patente que, além das limitações contidas na própria Constituição Federal, os agentes políticos devem observar, na prática de qualquer ato de gestão, principalmente daqueles que importam em aumento de despesas, todos os regramentos contidos em lei, em especial na Lei de Responsabilidade Fiscal, que foi criada justamente para impedir a realização indevida de gastos públicos, em desacordo com os princípios da legalidade, da moralidade e da impessoalidade. Ora, se o art. 21, parágrafo único, da Lei de Responsabilidade Fiscal, visando garantir atendimento ao princípio da impessoalidade, preceitua ser nulo de pleno direito o ato de que resulte aumento de despesas com pessoal, nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato do titular do respectivo Poder ou órgão referido no art. 20 (dentre os quais encontram-se as Câmaras de Vereadores), patente que a limitação imposta pelo aludido dispositivo de lei deve ser respeitada e, consequentemente, aplicada ao caso dos autos. Aludem, também, os demandados contestantes, que que a própria Constituição Federal obriga, de maneira indireta, que a fixação do subsídio dos vereadores seja feita no segundo semestre do último ano do mandato anterior, pois em seu art. 29, VII, determina que "o total da despesa com a remuneração dos Vereadores não poderá ultrapassar o montante de cinco por cento da receita do Município"; que a Câmara Municipal, titular da competência de fixação dos subsídios, só tem conhecimento da receita municipal estimada para o ano seguinte, quando do envio do projeto de Lei do Orçamento, que se dá somente no segundo semestre, após a aprovação da Lei de Diretrizes Orçamentárias, analisada obrigatoriamente até o fim do primeiro semestre, sendo que, somente após a aludida aprovação é que conhece os parâmetros necessários para estabelecer os referidos subsídios. Acontece que, mais uma vez, a razão não está com os requeridos. Como bem ressaltou o i. Promotor de Justiça na impugnação apresentada (f. 312), a receita municipal estimada para o exercício seguinte não é prevista unicamente na Lei Orçamentária, cuja apresentação se dá somente no segundo semestre. A Lei de Diretrizes Orçamentárias também dispõe a respeito, conforme determina o § 1º do art. 4º, da Lei de Responsabilidade Fiscal (verbis): " Integrará o projeto de lei de diretrizes orçamentárias Anexo de Metas Fiscais, em que serão estabelecidas metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício a que se referirem e para os dois seguintes". Assim, como a Lei de Diretrizes Orçamentárias deve ser sancionada até o encerramento do primeiro período da sessão legislativa (art. 35, § 2º, II, do ADCT), e como o encerramento do primeiro período da sessão legislativa do Município de Aquidauana se dá no dia 30 de junho de cada ano (art. 28, da Lei Orgânica Municipal), já no primeiro semestre de 2004 era possível conhecer a estimativa da receita para o exercício seguinte, fazendo cair por terra a argumentação em contrário apresentada pelos réus. Veja-se, pois, que era perfeitamente possível a fixação do subsídio dos vereadores de Aquidauana-MS para o exercício de 2005, ainda no primeiro semestre de 2004, quando já se tinha em mãos a Lei de Diretrizes Orçamentárias e, por isso, já se conhecia a estimativa de receita para o ano seguinte, de sorte que deve ser considerada absolutamente nulo o ato legislativo que acabou fixando novo valor para os aludidos subsídios somente em novembro do referido ano, em total afronta ao art. 21, parágrafo único da Lei de Responsabilidade Fiscal. Por fim, deve ser ressaltado que a ilegalidade ocorrida na fixação dos subsídios dos vereadores de Aquidauana-MS, conforme acima anotado, trouxe enormes prejuízos aos cofres municipais, posto que ensejou a realização de despesas sem obediência à lei e aos princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade, de sorte que, por isso, não há se falar em ausência de lesividade dos atos atacados na inicial.
DO DISPOSITIVO
Diante de todo o exposto, confirmando a antecipação de tutela concedida à f. 175-185, JULGO INTEIRAMENTE PROCEDENTES os pedidos de mérito apresentados na inicial, para o fim de:
a) determinar a suspensão do pagamento do subsídio dos vereadores do município de Aquidauana, feito com base na Lei Municipal n.º 1.968/2004, tendo em vista a sua flagrante ilegalidade, o que fica declarado;
b) determinar que o pagamento dos subsídios mencionados seja feito com base na Resolução n. 004/2000, que fixou o valor da aludida remuneração em R$ 1.800,00 (mil e oitocentos reais), tendo em vista a inconstitucionalidade da Lei Municipal n.º 1.863/2003, que fica declarada de forma incidental;
c) CONDENAR os réus Moacir Pereira de Melo, Iran Alves de Rezende, Sebastião de Souza Alves, Woterly Alex Garcia, Gustavo dos Santos, Vanildo Neves Barbosa, Sebastião Rodrigues dos Santos, Suely Almeida Nogueira, Cipriano Mendes Costa, José Alves Ribeiro Neto e Ordalino Martins da Cunha, todos qualificados nos autos, a devolver aos cofres do Município de Aquidauana, com juros e correção monetária, a contar da citação efetuada no presente feito, todos os valores recebidos acima de R$ 1.800,00 (mil e oitocentos reais), a título de subsídio pelo exercício do cargo de vereador no Município de Aquidauana, a partir do mês de janeiro de 2005 até a presente data;
d) estabelecer o pagamento de multa diária no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), para o caso de descumprimento das ordens contidas nos itens "a" e "b" supra, por parte do Presidente da Câmara Municipal de Aquidauana-MS, que é o responsável pelo pagamento dos subsídios dos vereadores municipais (grifo do Blog). Friso que a multa acima estabelecida poderá incidir sobre a pessoa física da autoridade pública responsável pelo descumprimento da determinação, posto que, como a multa possui fim coercitivo, não há como imaginar-se que ela possa incidir sobre um patrimônio, na hipótese, o patrimônio da pessoa jurídica de direito público demandada. Tal multa, diante de sua finalidade, somente pode visar uma vontade. Como a pessoa jurídica exterioriza a sua vontade por meio da autoridade pública, a multa coercitiva somente pode ser pensada se for imposta diretamente à autoridade capaz de dar atendimento à decisão judicial. Assim, além da intimação do representante legal da pessoa jurídica de direito público demandada, deverá ser procedida a intimação pessoal do Presidente da Câmara Muncipal de Aquidauana, sobre o inteiro teor da presente decisão, afim de que possa ser responsabilizado pessoalmente pelo pagamento da multa arbitrada, caso deixe de cumprir a determinação emitida. Por fim, os requeridos (com exceção do Município e da Câmara Municipal de Aquidauana que possuem isenção legal) ficam condenados, de forma proporcional, ao pagamento das custas e despesas processuais. Deixo de estabelecer condenação ao pagamento de verba honorária em favor do Ministério Público Estadual, por entender que não existe amparo legal constitucional para a referida condenação.
Sentença proferida com exame do mérito (art. 269, I, CPC).
P.R.I.C.-se.
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