O Globo: Uma estatal de 525 fraudes
José Casado, Enviado especial
BRASÍLIA - Está na Presidência da República um relatório oficial, concluído no último dia 12, com os resultados apurados em 40 departamentos dos Correios por equipes da auditoria interna da estatal, Secretaria Federal de Controle Interno, Tribunal de Contas da União e Controladoria Geral da União. Os auditores vasculharam 85,7% dos contratos executados pela empresa estatal em 2003 e 56,4% dos contratos realizados durante 2004. O valor total desses contratos supera R$ 7 bilhões —- o equivalente a mais de dois terços do faturamento dos Correios no ano passado ou, ainda, ao orçamento do maior programa social do governo Lula, o Bolsa Família, que atende a sete milhões de famílias. O relatório, a que O GLOBO teve acesso, expõe um quadro muito pior que o já esboçado nas investigações da CPI dos Correios: foram constatados 525 tipos de irregularidades consideradas graves, a maior parte classificada como de “alto risco” para os cofres públicos. Empresa estatal, os Correios têm o monopólio setorial garantido pela Constituição. Sustentam uma folha de pagamentos com 108 mil empregados e gastam cerca de R$ 6 bilhões em compras. O governo Lula dividiu seu comando entre o PT e aliados no Congresso, como o PTB e o PMDB. Os resultados apurados nas auditorias mostram como a confusão político-administrativa instalada no cotidiano dessa empresa pública acabou levando aos casos de corrupção agora investigados pela CPI e pelo Ministério Público. O maior contrato dos Correios sob suspeita é o do correio híbrido postal, um sistema de correspondência eletrônica destinado a grandes clientes empresariais, principalmente bancos e operadoras de cartões de crédito.
Edital elevou valor e limitou concorrência
O projeto foi concluído em 2002, ano da eleição presidencial. Estava orçado em R$ 861,4 milhões. A licitação ficou suspensa até junho do ano passado, ano de eleições municipais, quando foi transformada em um negócio de R$ 4,3 bilhões. Ou seja, o preço inicial aumentou em 400,7% —- “variação injustificada”, segundo o relatório dos auditores. Foi tudo feito com absoluta “indefinição de critérios objetivos e de composição de preços”, diz o documento. Sem análise prévia do departamento jurídico e à margem de vetos da Auditoria Interna dos Correios. O novo edital, além de alterar o valor do projeto, impôs novas regras para a concorrência. Trouxe a “exigência de capacidade tecnológica de impressão de 100 milhões de páginas por mês”, limitando a disputa ao consórcio privado que saiu vencedor, liderado pelo grupo American Bank Note. Lacônicos, os auditores definiram as regras dessa competição como “altamente injustificáveis”. O bilionário contrato do correio híbrido postal acabou fechado com “antecipação de pagamentos”, sem que houvesse previsão para tanto. A CPI dos Correios está investigando o contrato e já constatou que um dos programas de computação adotados tinha cotação inicial variável entre R$ 1.400 e R$ 3.800, mas custou R$ 69.300 por ponto de implantação. Saiu 60 vezes mais caro que os similares utilizados na estatal. — Um dos maiores defensores do aumento dos custos foi o então diretor Comercial dos Correios, Carlos Eduardo Fioravante, que também é suplente de senador (segundo suplente de Hélio Costa, o atual ministro das Comunicações). Haja suplente de senador para gostar desses Correios. Impressionante! — ironizou a senadora Heloisa Helena (PSol-AL) ao comentar, no plenário da CPI dos Correios, o aumento do custo desse programa de computação. A pista fora dada à CPI há dois meses pelo ex-gerente dos Correios Maurício Marinho, filmado ao receber R$ 3 mil de propina de empresários. Incomodado, ele sugeriu a extensão do inquérito aos hábitos da cúpula da empresa estatal na condução de negócios milionários: — O importante, volto a frisar, são as comissões especiais de licitação, são os grandes contratos, que não passam pelos trâmites normais.
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