Correio Braziliense: Crime sob encomenda
Correio Braziliense: Crime sob encomenda
Ugo Braga e Vicente Nunes
CPI dos Bingos acredita que assessor de Palocci informou-se primeiro sobre a situação fiscal e valores recolhidos de CPMF antes que fosse quebrado de forma ilegal o sigilo bancário do caseiro
Remontada a partir dos bastidores, de depoimentos de 13 observadores que trabalham em lugares estratégicos, a história da violação criminosa da caderneta de poupança do caseiro Francenildo dos Santos Costa é surpreendente. Mostra toda a potência do aparelho de Estado sendo usada com a única finalidade de desacreditar um testemunho comprometedor contra o ministro da Fazenda, Antonio Palocci.
A crônica do sigilo quebrado começa no mesmo dia da publicação da entrevista bombástica do caseiro ao jornal O Estado de S.Paulo, na terça-feira, 14. Naquele dia, segundo disseram ao Correio três funcionários que dão expediente no 5º andar do Ministério da Fazenda, o jornalista Marcelo Netto, assessor especial de Palocci, teria causado alvoroço exigindo que lhe passassem rapidamente o nome completo e o CPF de Francenildo. Netto tem uma sala nesse pavimento, a alguns passos do gabinete do próprio ministro.
Embora sirvam para muita coisa, o nome de alguém e seu respectivo CPF não são difíceis de se descobrir. E eles foram providenciados. Àquela altura, sabia-se sem muitos detalhes que o senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT), oposicionista integrante da CPI dos Bingos, recebera o caseiro em seu gabinete. E que intermediara a entrevista concedida à repórter Rosa Costa, de O Estado de S.Paulo. Entre os governistas, destilava-se o veneno de que o teor das declarações havia sido comprado pela oposição.
Pedido
Informação passada à CPI detalha que, de posse dos dados do caseiro, o assessor de Palocci teria pedido a alguém na Receita Federal que checasse a denúncia de que aquele contribuinte recebera uma soma alta de dinheiro em tempo recente. Segundo um servidor do ministério, o assessor especial do ministro não deu detalhes quando fez a encomenda. Como resposta, teria recebido a confirmação de algo estranho: nos rastros do CPF que fornecera constava a informação de R$ 57 recolhidos ao Tesouro Nacional a título de CPMF no dia 15 de fevereiro – registro feito pela Caixa Econômica Federal.
Em se tratando de Francenildo, um simples caseiro com salário mensal de R$ 700, tal dado gerou suspeita. Se recolhera R$ 57 de CPMF, significava que retirara R$ 15 mil de uma só tacada. Indício de dinheiro recebido repentinamente, em soma muito maior que a usual. Como alguém que ganha na loteria.
Só depois desta primeira pista, conforme a versão apresentada à CPI, o assessor de Palocci teria partido em busca da prenda maior: algum dado que identificasse a origem do dinheiro, só disponível no extrato da conta mantida na Caixa, a caderneta de poupança número 1048-8, de uma agência Lago Sul. O extrato foi tirado dentro da sede da instituição às 20h58min21seg da quinta-feira, 16, mais de 48 horas depois do início da operação e mesmo dia em que o depoimento de Francenildo na CPI dos Bingos foi interrompido por uma liminar concedida pelo ministro César Peluzzo, do Supremo Tribunal Federal, cuja esposa, Lúcia, trabalha de assessora do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos.
No dia seguinte, cópia do extrato foi entregue à revista Época. Para recebê-lo, um jornalista da revista saiu da sala onde funciona a redação, no sétimo andar do Centro Empresarial Assis Chateubriand, e tomou o elevador até o térreo, onde apanhou o documento. A revista informou que não revelará sua fonte – direito assegurado na Constituição.
É certo, porém, que as informações foram passadas como prova de que a oposição comprara o depoimento de Francenildo para derrubar Palocci, notícia quente e legítima, se fosse verdadeira. O primeiro texto a respeito dos dados bancários do caseiro, incluído no blog da revista às 18h45 da sexta-feira, 17, ainda está impregnado pela idéia de que Nildo vendera suas verdades.
Tal percepção começou a ruir quando o caseiro explicou tratar-se de dinheiro mandado por seu pai biológico, o empresário Eurípedes Soares da Silva, dono de empresa de ônibus em Teresina (PI), em troca do silêncio sobre a paternidade.
No início da semana, a Caixa enviou ofício ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) informando “atipicidades” na conta de Francenildo. Citava os depósitos feitos por Eurípedes como indícios de lavagem de dinheiro. A manobra obrigou o Coaf a pedir à Polícia Federal e ao Ministério Público que abrissem investigação sobre o caseiro. No mesmo dia, a PF pediu à Justiça a quebra dos seus sigilos telefônico, bancário e fiscal. Um funcionário do Coaf confidenciou ao Correio achar aquilo “uma sacanagem”. Pois serviria tão somente para esconder o fato de que o sigilo fiscal de Francenildo já havia sido quebrado, antes mesmo do bancário.
A estratégia de desconstruir o caseiro foi atropelada pela indignação causada na sociedade pela violação de direitos individuais de um trabalhador por parte do próprio Estado que deveria protegê-lo. Todas as fontes ouvidas pelo Correio pediram para não ser identificadas por medo de represálias vindas do aparelho estatal. O jornalista Marcelo Netto pediu demissão do cargo de assessor especial do Ministério da Fazenda na última quarta-feira. Ele se recusa a atender a imprensa.
A solidão do ministro
Como tem feito nos últimos 10 dias, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, manteve-se ontem afastado da imprensa. Bastante abatido, ele deixou pela manhã a residência oficial no Lago Sul no carro particular acompanhado do motorista, com um resumo das notícias embaixo do braço. Mas voltou logo depois. A reclusão do ministro deve-se à repercussão de entrevista e do depoimento à CPI dos Bingos do caseiro Francenildo dos Santos Costa, que o acusou de freqüentar uma mansão onde lobistas de Ribeirão Preto faziam festas e acertavam negócios. Palocci havia dito à CPI que nunca fora à casa. A quebra ilegal do sigilo bancário do caseiro pela Caixa Econômica Federal agravou a crise e pôs em risco a permanência do ministro à frente da pasta da Fazenda.
Visão do Correio
O lamentável episódio da quebra do sigilo da conta do caseiro Francenildo dos Santos Costa deve ser investigado com rigor, isenção e urgência. Os nomes dos responsáveis devem ser entregues à Justiça pela autoridade policial, para que sejam julgados. Em momento nenhum, porém, esse pequeno grupo que se utilizou do aparelho de Estado para intimidar quem ousou denunciar autoridades deve ser confundido com a instituição Caixa Econômica Federal.
Uma entidade centenária, de reconhecidas eficiência e credibilidade, com relevantes serviços prestados na área social, deve ser preservada e protegida. Até por isso, sua direção deve prestar todos os esclarecimentos necessários, ajudar na investigação policial, para não se tornar cúmplice de um ato irregular que afrontou o Estado de Direito. Se a direção errou, deve ter a humildade e a grandeza de reconhecer sua falha. O que não pode haver, nesse caso, é incorrer na afobação de confundir a parte com o todo.
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