Bairro pobre manda político 'pedir voto no inferno'
Em Nova Iguaçu, bairro pobre lidera boicote contra promessas "furadas" de políticos. A notícia é de Spensy Pimentel, repórter da Agência Brasil:
Nova Iguaçu (RJ) - Nos primeiros metros da avenida principal, a Cacuia ainda parece mais um bairro pobre típico da Baixada Fluminense em época de campanha eleitoral. Placas de candidatos nos quintais e muros das casas sem reboco nem pintura, à frente de valas negras, com esgoto a céu aberto, e ruas sem pavimentação. Carros de som tocam jingles e repetem promessas em meio às provas de que os compromissos da campanha anterior ainda não foram cumpridos.Mas, é só percorrer mais alguns metros na Estrada de Austin, via principal do bairro, e as faixas começam. “Políticos e candidatos, cuidado: eleitor esquecido e aborrecido. Não peça voto. Não daremos”,diz uma. “Candidatos e políticos: peça voto onde você não abandonou a população. Aqui não”, outra. “Quem pede voto e nunca veio no bairro é moleque”, mais outra.
Ao todo, são 22 faixas, espalhadas pela avenida. A iniciativa não é da associação de moradores, que, aliás, apóia um candidato a deputado estadual. Segundo a direção da entidade, ele vem conseguindo “trazer” obras para o bairro. Não é suficiente, mostram as faixas: “Cadê as creches, praças, escolas, médicos, remédios? Só mentiras e traição de todos”. Ou “Se você não fez nada em dois anos, peça voto no inferno. Aqui não, filho do cão”.
A idéia de afixar as faixas foi do administrador de empresas William Alves Bruno, 47 anos. Quem conhece a residência, ou vê o automóvel, as roupas, a fala de William poderia dizer que ele é um “típico” cidadão de classe média. Ele poderia, facilmente, passar por morador da zona sul carioca, mas diz viver na Cacuia há 20 anos.
Há várias eleições, William conta que tentava conscientizar a população local sobre a necessidade de ampliar a cobrança sobre os políticos. “Você vai vendo tudo isso e vai se revoltando. Aqui, na hora da necessidade, não existe essa de classe social. As dificuldades ensinam a gente a ser solidário”, diz ele.
Depois de tantos anos, porém, as faixas parecem ter acertado no ponto. A repercussão na imprensa do Rio foi grande, conta William. Agora, não só os moradores da Cacuia conseguiram iniciar uma negociação com a prefeitura do município para obter as obras que reivindicam, como o movimento está se espalhando por outros bairros da cidade.
Os moradores já fecharam a via principal do bairro, como protesto e, caso não sejam atendidos até 1o de outubro, data do primeiro turno das eleições, anunciam que vão fechar a Via Light, principal avenida de Nova Iguaçu. Ali, farão uma mobilização para que as pessoas deixem de votar. “Ninguém quer brigar. Não somos rebeldes sem causa. Mas, já fomos enganados por muita gente, e queremos dar um basta nisso”, diz William, que ressalta: o movimento evitará apoiar candidatos e partidos, para preservar a credibilidade.
A prioridade na Cacuia, segundo William, são as obras de saneamento, especialmente a recuperação de uma área de charco de cerca de 16 mil m² para onde corre o esgoto de boa parte das casas dos 30 mil moradores. Pavimentação, expansão das vagas na rede pública de ensino e creches são outras metas. A ausência do Estado é sentida até mesmo em suas expressões mais básicas: recentemente, o estuprador de uma menina de 7 anos foi linchado pelos moradores.
O irônico é que a prefeitura recebe royalties da Petrobrás por causa do oleoduto que corta a Cacuia: cerca de R$ 8 milhões por ano, segundo William. “Isso tudo aqui pode ser um exemplo: a união do povo é uma arma contra o esquecimento dos políticos. Político no Brasil hoje só teme a mídia e a falta de voto. ”
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