Diário de Notícias: O sindicalista tropical que chegou a Presidente
O sindicalista tropical que chegou a Presidente
Luís Naves
Uma das figuras mais influentes do país nos últimos 25 anos, o Presidente brasileiro personifica como poucos o homem do povo. Com um percurso invulgar, bem longe dos tradicionais modelos da luta pelo poder na América Latina, Lula da Silva tem um código genético de idealismo que se confronta agora com o mundo real da política partidária.Luís Inácio Lula da Silva engraxou sapatos quando era menino, liderou greves no tempo da ditadura militar, fundou o Partido dos Trabalhadores (PT), o maior partido de esquerda em toda a América. Tinha como programa "transformar a sociedade brasileira", mas hoje corre o risco de se ver envolvido num escândalo de financiamento ilegal de partidos, o chamado "mensalão", que incluía compra de votos a deputados, corrupção e nepotismo. Lula nasceu em 1945, numa terriola seca do Estado de Pernambuco. A sua família juntou-se à vasta migração interna que na época se dirigia para os grandes centros industriais emergentes. Em S. Paulo, o futuro presidente teve vários empregos (vendedor ambulante, engraxador, office boy) antes de tirar o curso de torneiro mecânico. Era louco pelo futebol e adepto do Corinthians. Até ao seu primeiro contacto com o activismo sindical, trabalhou em várias empresas, tendo perdido um dedo num acidente de trabalho. Na década de 70, ascendeu à direcção do Sindicato dos Metalúrgicos e liderou a greve de 1979, que paralisou toda a indústria do Estado. Foi atraído para a política pelo irmão, que chegou a ser brutalmente torturado.Em 1980, fundou o PT, no mesmo ano em que foi preso pela ditadura militar. Eleito deputado em 1986, Lula quase venceu as presidenciais em 1989, com pequena diferença para Collor de Mello, o populista que seria afastado após um escândalo com situações semelhantes às do "mensalão". Nas eleições seguintes (1994 e 1998), Lula da Silva foi derrotado por Fernando Henrique Cardoso, tendo vencido em 2002, com 53 milhões de votos.Os brasileiros podiam ter eleito um radical, mas Lula revelou-se um continuador, consciente de que mudar o Brasil exige, não um homem, mas toda uma geração. Não há nada de latino-americano nesta abordagem e é essa pureza original do PT que torna o actual escândalo tão penoso.Ao longo de três anos de governação, para não provocar uma crise financeira, Lula aplicou o modelo económico liberal. Ao mesmo tempo, procedeu ao silenciar tranquilo das correntes mais à esquerda do seu partido. O presidente brasileiro tem qualidades que poucos líderes possuem obstinação e tenacidade. Mas, para os críticos, existe na sua história um aspecto de farsa e de traição aos ideais.A esquerda sempre teve um discurso anticorrupção algo puritano e, no entanto, cedeu aos mesmos vícios da direita. Segundo a denúncia de um deputado que apoiava o Governo, Roberto Jefferson, houve prática de compra de votos a deputados aliados do executivo. Diz o denunciante que o esquema envolvia o ministro da Casa Civil do Presidente, José Dirceu, e alguns dos mais altos quadros do Partido dos Trabalhadores, todos antigos combatentes da liberdade no Brasil. A sequência do caso é ainda incerta. Se o escândalo atingir o Presidente, não é de excluir um processo de destituição. Mas Lula é popular e os partidos temem que isso provoque uma perigosa instabilidade. A possível solução será um acordo partidário que preveja a diminuição dos poderes presidenciais ou a garantia de que Lula não será candidato em 2006. É preciso não esquecer que o presidente brasileiro continua a ser a melhor esperança da esquerda reformista na América Latina.
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