Jornalista Bob Fernandes, da Carta Capital, fez o melhor relato do acordo do PL com o PT, diz Valdemar
Costa Neto lê parte da reportagem da Carta Capital, edição de 30 de outubro de 2002, assinada por Bob Fernandes, que o blog reproduz, parcialmente, abaixo:
CARTA CAPITAL - Reportagem de Bob Fernandes
"Vésperas do registro definitivo das candidaturas no TSE. Apartamento do deputado Paulo Rocha (PT-PR). Lá estão Lula, José Dirceu, José Alencar, Gilberto Carvalho e o presidente do PL, deputado Waldemar Costa Neto. Na conversa, uma presença significativa: Delúbio Soares, tesoureiro nacional do PT. Motivo: para fazer a aliança com o PT, o PL quer uma ajuda. Waldemar argumenta que, longe dos partidos e fontes tradicionais de arrecadação, sem o auxílio financeiro habitual, o partido não teria como bancar a campanha de seus candidatos nos estados.
Na manhã da eleição,depois de votar, o aniversariante festeja em São Bernardo. À noite falaria à multidão na avenida PaulistaOs números giram em torno dos R$ 10 milhões. O acordo emperra. Lula se irrita, pede a José Alencar: — Essa é uma conversa entre partidos, se eles pedirem pra você, não dê nada. Por duas vezes o retorno a São Paulo, em vôo da TAM, é adiado. Lula pede uma ligação para Patrus Ananias, que está em Belo Horizonte, e manda o aviso – Minas, o segundo colégio eleitoral, é decisivo no projeto: — Olha, Patrus, estamos em Brasília e a coisa com o PL hoje ou vai ou racha. Você se prepare porque se não der certo seu nome vai ser anunciado como vice hoje mesmo. — Cês tão doido – foi a resposta daquele que, se José Dirceu tiver outro destino (inclua-se aí a Fazenda) que não o Congresso, pode ser o candidato do PT à Presidência da Câmara. O acordo, parecia, não seria fechado. José Dirceu chegou a deixar o quarto onde se dava de reunião e comentar: — Acabou, não tem jeito. Quando já se marcava com a TAM o retorno imediato para São Paulo, Waldemar Costa Neto chama Dirceu de volta ao quarto. Onde continuava o tesoureiro Delúbio. José Alencar foi junto. José Dirceu e Delúbio voltaram com a notícia que, sabe-se hoje, mudaria os rumos da sucessão presidencial: — Tudo bem, toparam – informou Dirceu. — Fechou – desabafou Delúbio. Momento dramático como aquele a cúpula da campanha só viveria entre a noite da sexta-feira 18 de outubro e a tarde do dia seguinte, há uma semana da eleição de Lula. Na quinta 17, às 13 horas, este que vos escreve almoçava – uma bacalhoada – com Lula na produtora da rua Caravelas. A uma pergunta sobre uma suposta fita com cenas pessoais e constrangedoras em uma boate, um Lula tranqüilo brincou: — Dessa vez não vão pegar o Lulinha com esse tipo de coisa. Não existe fita alguma. Três semanas antes, preocupado, José Dirceu entregara ao advogado Antônio Carlos Castro, em Brasília, uma missão especial. Investigar a existência da suposta fita. Trabalho feito. Se ela existisse e viesse a ser usada, quando o material chegasse à geradora dos programas eleitorais, a Rede Minas, com uma sala na sede do TSE, o partido seria avisado de imediato e tentaria impugná-la como peça de campanha. Castro, depois de investigações que incluíam infiltrações na campanha adversária, concluiu pela não existência da fita, e relaxou. Até que, na manhã da sexta 18, José Dirceu ligou: — A informação é de que existe a fita e que ela vai ser usada. Cresce a boataria e a tensão aumenta depois que, no programa noturno, José Serra desanda a falar em “família”, valores morais, e sempre cercado por pastores evangélicos. Onze da noite. Numa ligação, Duda quer saber o que existe, se existe, no mesmo território, em relação a Serra. Saber para fazer chegar o recado ao ex-sócio e agora marqueteiro de Serra, Nelson Biondi. Que nega a existência da fita, mas recebe o recado: — Se usarem alguma coisa dessa, será a guerra. Manhã do sábado 19. Tensão insuportável. São contatados o senador eleito do Ceará, Tasso Jereissati, e o governador de Goiás, Marconi Perillo. Busca-se também o governador eleito de Minas, Aécio Neves. Cresce a boataria. Lula está numa suíte do Hotel Sofitel. Com a mulher, Marisa. Entram e saem Dirceu, Palocci, Gushiken, Marta e o namorado Luis Favre, Gilberto Carvalho. Lula é poupado da boataria. De quando em quando, recebe um recado cifrado: — A temperatura aumentou... diminuiu... José Sarney conversa, por quatro vezes, com o advogado Castro. Desconfiado a princípio, se convence em meio ao dia de que não há fita alguma. Sua filha, Roseana, telefona para o candidato: — Tô preocupada com isso, Lula. Mas se eles puserem alguma coisa no ar, e eles são capazes disso, nós temos muito contra eles... — Essa história é ridícula, Roseana. Não existe nada disso, nunca estive em boate alguma em Manaus — a tranqüiliza Lula. José Dirceu não estava tranqüilo. Até ter, naquele dia, a segunda das conversas telefônicas com o presidente Fernando Henrique Cardoso a quem, em resumo, disse ter “o controle da campanha até aqui”, antes de comunicar: — Mas eu não terei mais o controle se acontecer baixaria. Aí, presidente, ninguém mais vai conseguir segurar nada, vai ser uma guerra. O presidente garantiu: — Fique tranqüilo, não existe nada disso. O mesmo disse, ao longo do dia em que o País caminhou à beira do abismo, o sociólogo e “pesquisólogo” do governo e campanha, Antonio Lavareda. Mas, enquanto dizia, diante das informações que recebia deixava uma inevitável porta entreaberta, que semearia ainda mais pânico: — Não usariam nada disso sem falar comigo, não tenho conhecimento, a não ser que alguém no marketing tenha e eu não saiba de nada. Mas estou viajando hoje para São Paulo e vou checar isso... Na dúvida, o senador Jereissati, que falou com o presidente da República, comunicou: — Se isso existir e usarem, vou para as ruas fazer campanha para o PT de bandeira na mão. Perillo e Aécio Neves também manifestaram total e severa restrição a um hipotético uso do que se qualificava como “baixaria”. No final da tarde, o mais graduado assessor de imprensa do candidato Serra, Inácio Muzzi, garantia a jornalistas: — Isso não existe e jamais se pensaria em usar alguma coisa dessa. O mesmo repetiram outros assessores do candidato. Naquele momento, já havia sido articulado e enviado ao Jornal Nacional, da Globo, um documento. Nele, falava-se no segundo turno e na sua lisura. A desculpa para o texto era o uso alarmista de informações no cenário econômico, mas o alvo real era a suposta e imaginária fita. Assinaram o documento o cardeal Paulo Evaristo Arns, o economista Celso Furtado e o jurista Evandro Lins e Silva. A resposta, tranqüilizadora, do presidente da República chegou à redação da Globo pouco antes de ser iniciado o Jornal Nacional. Só então José Dirceu relaxou: — Se a gente não puder confiar na palavra do presidente, vamos confiar em quem? Ainda assim, minutos antes do Jornal Nacional entrar no ar, chegava a São Paulo, num jatinho alugado, um grande amigo do candidato Serra. O deputado, eleito pelo PT de Brasília, Sigmaringa Seixas. Hospedado no Hotel Mofarrej, Sigmaringa só encontraria Serra no final da noite, quando a crise já se dissipara, para uma conversa entre amigos. Durante o final da noite, início da madrugada, a quem lhe telefonasse, Serra repetiria: — Isso é de uma maluquice total, não sei quem inventou e nem de onde saiu. Domingo, 27 de outubro de 2002. Lula, aniversariante, vota em São Bernardo do Campo e, de helicóptero, se dirige ao Hotel Meliá, na Marginal. À noite, já presidente segundo as apurações do TSE, Lula seguiria para o Hotel Intercontinental, na alameda Santos, próximo à avenida Paulista, onde o PT faria a festa ansiosamente buscada e aguardada por uma geração. Melhor: há quem diga que há 502 anos. Na véspera, em reunião, a cúpula do partido discutiu quem irá compor a equipe de transição e combinou-se o encontro com o presidente da República, Fernando Henrique, previsto para a terça-feira 29, em Brasília. É a chegada ao poder do núcleo de uma geração que, em parte, pegou em armas na ditadura ou enfrentou o exílio. Começa o jogo. Pesado. Uma semana antes, a cúpula do partido reuniu-se no Hotel Sofitel com empresários, sindicalistas e banqueiros para reverberar o pacto, o contrato social. Dirceu e Gushiken não gostaram de saber que, via ligações baianas, Carlos Rodemburg, diretor do Grupo Opportunity, apareceu na reunião. — Não temos e não queremos nada com eles – fizeram coro os dirigentes. O Opportunity, como é sabido, gere o CitiCorp Venture Capital, o CVC/Opportunity nas Ilhas Cayman. Para tratar de assuntos do gênero, uma reunião estava marcada para a sexta-feira 25. Com Antonio Palocci se encontraria o brasileiro Alain Belda, CEO mundial da Alcoa, membro do Board do Citigroup e amigo pessoal de Sanford Weill, presidente do Citi. Esse seria o segundo encontro da cúpula do Citigroup com graduadas lideranças do PT. O jogo, como se vê, não é leve. Com George Bush, presidente dos Estados Unidos, estava tudo acertado. Ao longo da semana, José Dirceu negociara com a embaixada norte-americana o momento em que se daria o telefonema de congratulações, e demais combinações, do presidente norte-americano. Da mesma forma, na tarde do domingo a embaixadora do México, Cecília Souto Gonzalez, estava a postos em São Paulo. O presidente Vicente Fox seguia em Los Cabos, península na Baixa Califórnia, numa reunião da Assessoria Econômica para Ásia e Pacífico. Presente à mesma cúpula, George Bush. Na noite de domingo, Fox aguardava uma definição para dar seu telefonema; ou o resultado oficial ou um pronunciamento de Serra reconhecendo a derrota. Esperava-se ainda pela decisão do novo presidente: ele receberia cumprimentos na noite do domingo ou apenas na segunda, depois de oficializado o resultado? Fox iria convidá-lo para uma visita ao México. Da mesma forma, Bush pretende receber Lula em Washington. Lula se divertia com a chuva de ministeriáveis divulgada na imprensa: — Deixa falar, assim já vão demitindo os caras antes, sem eu precisar dizer nada. Aloizio Mercadante, eleito senador com mais de 10 milhões de votos, recordava o final da manhã do 1º de janeiro de 1990. Lula, em 1994, teria 17 milhões de votos. Em 1998, outros 21 milhões. Quinze dias antes da posse de Collor, Lula tivera votos de 31 milhões 76 mil 364 brasileiros. Pela televisão, naquela manhã, Mercadante assistiu à posse na casa do candidato derrotado. Ao lado de Lula e de alguns dos seus cinco filhos, a mulher, Marisa, e o assessor e amigo Ricardo Kotscho. Naquela manhã, Lula não recebeu nem um único telefonema. Cinqüenta anos depois de deixar o vilarejo de Caetés, ver sua mãe vender os pertences da família por 13 cruzeiros e levar 13 dias a viajar num pau-de-arara, Luiz Inácio Lula da Silva, com o número 13 e o apoio de 52 milhões e 700 mil cidadãos se tornava o 19º eleito, pelo voto direto – 41 homens assumiram desde a proclamação –, presidente da República do Brasil."
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