Trocando em miúdos a pequena corrupção
Trocando em miúdos a pequena corrupção
Por Marcos Zibordi*
Epígrafe:
Êxodo, 23:8: “Não aceites suborno, pois o suborno cega os que têm os olhos abertos e perverte as palavras dos justos”.
Aqui, cada parágrafo é uma história. Em "Raízes do Brasil", Sérgio Buarque de Holanda conta que, para driblar a proibição ao tráfico de escravos, os mercadores desenvolveram “um sistema apurado de sinais e avisos costeiros para indicar qualquer perigo à aproximação dos navios negreiros, subvencionando jornais, subornando funcionários, estimulando, por todos os modos, a perseguição política ou policial aos adversários, julgaram assegurada para sempre a própria impunidade, assim como a invulnerabilidade das suas transações”.
Manhã de frio. Em baixa velocidade dirijo pelo Morumbi, em São Paulo, e um jovem a meu lado, 20 anos, gel e cabelo de gatinho, é o instrutor da auto-escola. Estamos na segunda aula prática. Pergunto se o exame é complicado e ele explica com a maior naturalidade que eu posso fazer um seguro: pagar 350 reais para não ser reprovado. Exemplificou: a molecada que tem grana vai pra auto-escola com o carro que o papai deu já na garagem. Não querem ser reprovados de jeito nenhum. Fiquei na minha, mantendo os 30 quilômetros horários. Na última aula, o preço do “seguro” tinha caído pra 100 reais.
A pequena corrupção, arraigada na cultura, é mais difícil de combater do que a grande corrupção, estrutural, que pode e deve ser atacada com a eficácia das leis e os rigores administrativos.
Barômetro Global da Corrupção 2004, pesquisa que ouviu 50.000 pessoas em 64 países: os atos de pequena corrupção são tidos como o grande problema por 45 por cento dos entrevistados. Boa parte deles também declara ter praticado suborno no ano anterior.
O Tribunal Regional Federal condenou recentemente o policial rodoviário Leonardo Gonzáles, de Rosário de Sul (RS), por corrupção passiva. Consta que um cidadão dirigia seu Fusca em direção a Porto Alegre quando foi parado na entrada de Caçapava do Sul. O guarda pede para o motorista abrir a sacola atrás do veículo, onde encontra balas e um revólver com registro vencido – porém com requerimento para pedir renovação do porte. Tudo legal, mas o policial dá voz de prisão ao condutor e depois solicita 200 reais para liberá-lo. Sem dinheiro, o motorista paga com cheque. No outro dia, dá o troco denunciando o ocorrido à corregedoria da Polícia Rodoviária Federal. Em julho, o policial foi condenado pelo TRF: perdeu o cargo, tomou uma multinha e vai prestar serviços comunitários por pouco mais de um ano.
Corrupção passiva, artigo 317 do Código Penal: solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem. Pena de até doze anos.
O tráfico de influências, primo-irmão da corrupção, está tipificado no artigo 332 do Código Penal Consiste em solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função.
Corrupção ativa, artigo 333 do Código Penal: oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício Pena de até doze anos.Pesquisa divulgada pela ONG Transparência Internacional no ano passado procurou 4.000 empresas para falarem sobre fraudes e corrupção. Apenas 78 responderam o questionário completo, quase todas paulistas. Para elas, depois do excesso de impostos, a corrupção é o principal entrave ao desenvolvimento do país. Relatam que a cobrança de propina é feita principalmente pela fiscalização tributária, sendo o ICMS estadual apontado como mais vulnerável para 78 por cento dos empresários. Só 14 por cento dos funcionários das empresas envolvidos em corrupção são punidos. E elas pouco denunciam atos administrativos irregulares, mesmo quando se consideram prejudicadas.
Véspera da eleição municipal de 2000: a polícia invade o comitê de campanha de Olivan Antônio de Bortoli, em Campos de Borges (RS), candidato à reeleição, e encontra metade de uma nota de 50 reais, com uma anotação a lápis, o número 102, ou o centésimo segundo voto comprado. Foi a prova de corrupção eleitoral que três anos depois cassou o mandato do reeleito.“A bem dizer, distribuíam de tudo, de dentadura a caixão”, afirmou a promotoria sobre a central de atendimento aos eleitores que o candidato a deputado estadual Adão Pereira dos Santos montou em Matozinhos (MG). Foi cassado após eleito.
Tenho uma história familiar irresistível. Um parente próximo era fiscal na divisa entre Paraná e São Paulo. A produção paranaense de cítricos, atacada por uma doença, não conseguia sair de suas divisas. Mas meu tio sempre aparecia em casa com limões, laranjas e outras frutas fresquinhas. Nunca esqueci sua expressão para a origem dos cítricos reluzentes: “ganhei na ponte”, ou seja, no posto de fiscalização instalado em cima de uma.
* Fonte: Caros Amigos
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