Em artigo, Freire critica a política de "apertar cinto" para pagar juros
A subversão das prioridades
Por Roberto Freire (*)
Chegamos a novembro com uma economia de mais de R$ 95 bilhões feita ao longo deste ano para pagar juros da dívida pública. O superávit encostou nos obscenos 6% pregados por Palocci para o próximo ano, atingindo 5,97%. Vivemos para pagar dívida. Pior, para pagar os juros dela. Quem pode ser feliz assim? Tenho viajado muito pelo Brasil, participando de debates com a sociedade e cumprindo compromissos do partido. O que vejo e ouço está longe de dar a esse superávit um tom de comemoração. Ao contrário. O país clama por investimentos, por um governo que governe.
A realidade está longe dos números que se amontoam no Ministério da Fazenda – este sim, maravilhado com a quantidade de dinheiro economizado, já que o índice superou a meta estabelecida. Ao contrário do governo, os governados sofrem com esse aspirador que suga as verbas destinadas a todos os setores pelos quais é responsável o Estado. A começar pela saúde, cujo ministro, Saraiva Felipe, confessa que enfrenta um déficit anual de R$ 12 bilhões.
A matemática palociana – e palaciana – não rima com justiça social. Colocados lado a lado, superávit de R$ 95 bi e déficit de R$ 12 bi na saúde gera um resultado desastroso de falta de vagas nos hospitais, de equipamentos para salvar vidas de populações carentes, de remédios, de médicos e de sensibilidade administrativa. Que o digam as mães que chegam desesperadas com os filhos no colo em busca de socorro nos postos de saúde e nas unidades hospitalares. “Não tem vaga” é uma frase que pode significar sentença de morte. E muitas vezes o é.
Um artigo do jornalista Vinícius Torres Freire na Folha de São Paulo, com o apropriado título de “indecências”, dá conta de que, no ano passado, o governo gastou em juros de dívida o equivalente à soma de todos os rendimentos de metade da população mais pobre do Brasil. Dinheiro que sai do bolso do contribuinte para entrar no caixa dos bancos, no bolso de gente rica ou, pelo menos, “remediada”, que aplica em fundos de renda fixa, como diz o autor do artigo. A administração tucana contraiu o grosso da dívida e o governo do PT “é um circo populista que garante a estabilidade” dela. PSDB errou o rumo da política econômica. PT, em vez de mudá-lo, apostou no seu aprofundamento, tornando o superávit único objetivo do governo Lula.
O preço do superávit é por demais alto para os brasileiros. São eles que ficam sem novas estradas e sem manutenção das existentes; sem escolas ou novas universidades públicas – que produzem pesquisa – ou mesmo cuidados com as atuais, cujos professores, em greve, não conseguem um aumento que leve em consideração os números da inflação do período decorrido desde o último reajuste. O MEC bate pé que só paga a inflação gerada no governo Lula, como se inflação tivesse ideologia. Professores e alunos pagam a conta. O governo só paga divida pública. Das 55 universidades federais, 37 estão paradas.
Para ficar só nos setores de saúde e educação – porque se fôssemos enumerar o desastre da política econômica FHC-Lula tínhamos de escrever um livro - em poucas linhas é possível enxergar o abismo que separa o Ministério da Fazenda dos brasileiros. Até os credores exigem um superávit menor, mas Lula persegue a perfeição na cartilha neoliberal. Essa economia que não chega aos brasileiros não serve para o Brasil. O governo tem obrigação de pensar, prioritariamente, na sobrevivência e no bem-estar da população. Se não o faz, deixa de representar os interesses dela no Palácio do Planalto.
(*) Roberto Freire é deputado federal e presidente nacional do PPS (artigo publicado em seu blog).
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home