Prefeito: mídia critica pouco o consumo de drogas
Prefeito: mídia critica pouco o consumo de drogas
O prefeito do Rio de Janeiro, Cesar Maia, disse hoje ao Observatório da Imprensa que a cobertura de acontecimentos como o recente conflito entre bandidos na Rocinha tem geralmente o defeito de não explicitar que o ponto de partida é o consumo de drogas. “Se, hipoteticamente, não se tivesse esse tipo de consumo naquela região, não se teria a Rocinha tão conflagrada”, afirmou.
Maia relatou sem dar nomes um caso recente de extorsão de um empresário do Rio de Janeiro e criticou a discrição com que esse tipo de corrupção é tratado. Cobrou da mídia: “Esse é um ponto que tem que ser esclarecido, até para colocá-los em dúvida. Será que vale a pena continuar? Gerar riscos para essa gente que parece que tem a certeza da impunidade por conta da sua posição social, econômica muito forte”.
Eis trechos sobre os recentes acontecimentos na Rocinha de uma entrevista mais ampla feita hoje com o prefeito Cesar Maia.
Esse conflito continuado... A seu ver quais são os piores defeitos da cobertura? Porque a cobertura tem a ver com a falta de eficácia do Estado para enfrentar os problemas.
Maia - A cobertura tem, em geral, não sempre, um vetor de desvio, que é não explicar por que existe tanto interesse em torno da boca-de-fumo da Rocinha. A boca-de-fumo da Rocinha, segundo os setores de inteligência da polícia, corresponde a 35% do varejo de drogas no Rio de Janeiro. São 50 bocas-de-fumo dentro da Rocinha. E atende o consumo da classe média, principalmente da área da Zona Sul e Barra, inclusive com serviço de “delivery” através dos motoboys, que levam a cocaína em casa, levam a maconha em casa. E pessoas que vão e têm acesso à comunidade. Se, hipoteticamente, não se tivesse esse tipo de consumo naquela região, não se teria a Rocinha tão conflagrada. Conflagração para controlar um ponto de vendas que, pela sua localização geográfica, dá uma enorme vantagem no varejo de drogas. Essa é a grande questão. A notícia tem que explicar por que existe esse conflito.
Do outro lado, a crítica à Polícia é verdadeira. Se se tem uma área como a Rocinha, onde falam de 35%, uma área como a Maré, onde falam de 30%, a Polícia tinha que ter essas duas áreas ocupadas, porque obrigatoriamente isso geraria uma dispersão. E uma dispersão é mais fácil de ser combatida do que essa concentração que se tem na Rocinha.
O senhor acha que algum combate a consumidores, não querendo transformá-los em bode expiatório da história, mas uma certa publicidade funcionaria como dissuasão? Há editores que acham isso.
Maia - Acho que falta informação para que se possa ter também uma visão negativa daqueles que consomem droga, e também não criminalizar a Rocinha como se o fato de ser favela, o fato de concentrar pessoas pobres, gerasse uma posição forte dos traficantes.
A posição forte dos traficantes, e a disputa da boca-de-fumo, é por ser um amplo varejo de distribuição de drogas no Rio de Janeiro. É só chegar ali e ver os carros que chegam, as filas que entram. É tanta gente demandando demandando droga ali, diretamente, não apenas [via] delivery, que eles não podem ter uma boca-de-fumo, eles têm que ter 50 bocas-de-fumo para um atendimento disperso ali e não gerar concentração.
Um editor disse: “Tem que costurar o nariz das pessoas”...
Maia - Vou te dar uma informação. O policial vai fazer uma “mineira”, vai “mineirar”, vai extorquir o traficante. Diz: Não vou te prender, mas eu quero dez mil reais, o valor que seja. Essa é uma situação, para o policial, incômoda. A situação cômoda para o policial não é fazer esse tipo de extorsão. É fazer extorsão contra um consumidor de classe média alta. Há um caso, não vou dizer nomes, porque não posso, de um empresário importante do Rio de Janeiro é surpreendido pela Polícia através de gravações com uma quantidade importante de cocaína, que não caracterizava consumo pessoal. E pagou 300 mil reais para não vir o flagrante. Ora, isso é muito mais cômodo para o policial do que o achaque em cima do traficante. Isso acontece com muito maior freqüência do que a “mineira” em cima do traficante. Acontece em cima de um jovem consumidor de classe média que o pai chega, desesperado, e paga dez mil reais, cinco mil reais; é o que paga uma “mineira” numa boca-de-fumo dessas. E essa situação fica protegida, porque se protegem aqueles cuja exposição, numa situação dessas, é alguma coisa que afeta segmentos que são consumidores sociais, ou dependentes de droga nas áreas de classe média mais alta.
Esse é um ponto que tem que ser esclarecido, até para colocá-los em dúvida. O que eu faço? Para onde eu vou? Será que vale a pena continuar, ou não continuar? Gerar riscos para essa gente que parece que tem a certeza da impunidade por conta da sua posição social, econômica muito forte.
Ver também "O Kuwait carioca da cocaína".
Comentário do blog: Já escrevi aqui no blog que os especialistas - tanto aqueles que ouvi em 1994, num "workshop" sobre drogas do qual participei nos Estados Unidos, quanto os do Brasil - são unânimes ao afirmar que "a lei mais antiga do comércio tem que ser lembrada na questão séria do combate ao uso e abuso de drogas e ao narcotráfico; esta é a 'Lei da Oferta e da Procura' que ensina que para um produto ser consumido é necessária haver a oferta dele no mercado."
A "oferta" aqui é a droga, seja ela maconha, cocaína, álcool, tabaco, heroína ou outra qualquer, inclusive as sintéticas, mais recentes.
A "procura" é representada pelos consumidores de drogas, sejam eles em pequena, média ou grande escala. São "consumidores" que colaboram diretamente para que o poder dos traficantes seja aumentado a cada dia que passa, pois quanto mais "produtos" ou drogas têm para oferecer ("oferta"), mais dinheiro ganham.
Portanto, vale a pena pensar seriamente - sem 'chiliques' doutrinários ou ideológicos - na proposta que eu vi e li, depois de receber uma cópia dela em Washington, D.C., em 1994, e que foi enviada pelo então presidente Bill Clinton, do Partido Democrata, ao Congresso norte-americano. Nela, Clinton afirmava que o governo dos Estados Unidos havia chegado à conclusão que era mais fácil e "barato" investir dinheiro do orçamento da Nação em programas de prevenção ao uso e abuso de drogas, do que manter a chamada "guerra ao narcotráfico", uma vez que o conceito de "guerra" pressupõe que um lado ganha e o outro perde e, neste caso, o governo da Nação mais poderosa do mundo estava perdendo.
Mas que tipo de "custo " é causado aos governos pelo consumo excessivo de drogas? Posso citar o que vi nos Estados Unidos: por exemplo, uma pessoa bebe álcool além da quantidade permitida. Em seguida sai da festa dirigindo um carro - nos Estados Unidos fui apresentado a um programa de "transporte solidário", feito por veículos custeados pelo município e destinado à pessoas que freqüentam festam onde consomem álcool - e, sem controle devido ao efeito da droga lícita (álcool) no sistema nervoso central do corpo humano, bate de frente com um veículo que conduz uma família com pai, mãe e um casal de filhos.
Custos: a polícia é chamada (pulsos de chamada telefônica) e vai até o local (salários dos policiais, custo da gasolina do Ford Taurus etc.); os bombeiros também são chamados (idem ao anterior); os feridos são removidos para um hospital público (mantido com dinheiro público e que terá gastos com radiografias, exames gerais, soro, material cirúrgico, salários dos médicos, manutenção e operação de uma UTI etc.) e assim por diante.
Lembra-se como tudo começou, caro leitor (a) do blog? Com copos e mais copos de álcool.
Poderia ser com cocaína, com maconha, com heroína, com LSD ou com as drogas sintéticas do fim do século passado e início deste.
Há que se tratar, portanto, aquelas pessoas que já são dependentes químicas. É o tratamento que, feito pelo Estado, terá custos. Pagos pelo contribuinte.
É necessária uma campanha séria e constante para reduzir o consumo, a "procura" da Lei da Oferta e da Procura que citei acima. Lembra-se?
Como exemplo, cito nos Estados Unidos a DARE (Drug Abuse Resistance Education) ou Educação Para Resistência ao Abuso de Drogas, que, trazida para o Brasil, recebeu o nome de PROERD (Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência) e é desenvolvido pelas polícias militares, com apoio das comunidades e governos (veja os links ativos aqui à esquerda da página principal do blog).
Mas também é imprescindível combater e acabar ou, pelo menos, reduzir o tráfico de drogas, tirando de circulação os narcotraficantes, desde o "bagrinho" ou "bagrão" na "boca-de-pó" até aquele que, muitas vezes, mora numa cobertura de frente para as mais espetaculares praias do planeta e que, por trás dos panos, são os grandes financiadores da compra e venda e drogas.
E as drogas que chegam ao Rio de Janeiro, passando por São Paulo? E as que chegam aí na sua cidade, que não está na faixa de fronteira nem é produtora de drogas como Rio e Sampa?
Será que as nossas autoridades sabem qual é a origem dessas drogas? Claro que sabem.
E sabem, ainda, que as fronteiras estão com mais "furos" que um gostoso queijo suíço.
Essa droga que é consumida ("procura") no Rio de Janeiro, depois de comprada nas "bocas-de-pó" ("oferta") tem a sua origem em que local? Existem plantações de cocaína no Rio? E refinarias que transformam a folha de coca em cloridrato de cocaína têm instalações no Rio?
Claro que não, caro (a) leitor (a).
Essa droga, no caso citado, a cocaína, vem da Bolívia, da Colômbia e do Peru.
Portanto - ufa!!!, falo e escrevo isso desde 10 de abril de 1990 - a repressão maior ao tráfico de drogas tem que ser feita nas nossas fronteiras com esses queridos e simpáticos países "hermanos" que temos.
Se o traficante do Rio não tiver a cocaína ("oferta") a "procura" vai diminuir. A "procura" também é reduzida com a manutenção de programas de prevenção ao uso e abuso de drogas , que ensinam as nossas crianças a dizer "não" às drogas. "Just say no!" era o lema da lançado pela então primeira-dama dos Estados Unidos, Nancy Reagan e ainda é usado até hoje pelo programa DARE.
Com as nossas crianças dizendo em tom firme e forte "não às drogas", a "procura" pelo produto será reduzida ano após ano.
Vamos parar com hipocrisia, portanto: Se os traficantes brigam e matam bandidos e inocentes, sem distinção, é porque a "procura" de drogas ainda é muito grande, sim.
É preciso costurar, sim, os narizes de muitas pessoas. E isso não é ser radical, não. Caro (a) leitor (a), isso é ser inteligente e permanecer ao lado da saúde pública. Pois as drogas são - e como são! - uma caso de saúde pública dos mais graves.
Talvez seja pelas altas cifras em narcodólares envolvidas nesse maldito e sujo narcotráfico que eu tenha recebido tantas investidas contra mim e a campanha contra as drogas e o uso e abuso delas. É muito dinheiro - mais do que possa supor nossa vã filosofia - movimentado pelos narcotraficantes. São 400 bilhões de dólares por ano!
Tenho uma opinião, que talvez não seja a melhor - e aceito sugestões -, mas é minha e de muitas pessoas que já ouvi: A política nacional contra as drogas - e também os programas de prevenção ao uso e abuso de drogas - não pode ficar nas mãos de pessoas com mandato ou ligadas a este ou aquele governo.
Explico: Independentemente de partidos políticos ou de eleições, as pessoas desse setor têm que ser escolhidas, dentre as melhores disponíveis, com a garantia de desenvolver as melhores ações. Seria uma espécie de Banco Central independente, como acontece com o Federal Reserve nos Estados Unidos.
Senão vira disputa política que não leva a nada positivo. Temos que pensar nas futuras gerações livres das drogas, e não nas próximas eleições.
Para que isso aconteça, o povo tem que estar à frente. Chega de fingir que "esse problema não é comigo."
Tentei alguma coisa e comecei uma campanha contra as drogas em 1990. Fui literalmente massacrado por interesses políticos menores. Espero que outras pessoas tenham sorte melhor.
Sinceramente desejo isso, pois dói muito você arriscar a sua vida, da sua mulher e da sua família - só quem já foi ameaçado de morte sabe o que é isso - e, depois de tudo, ver os papéis invertidos.
A política suja, muitas vezes - e falo aqui em tese - pode transformar quem combate o narcotráfico em bandido e o verdadeiro bandido em "bom mocinho".
Mas, um dia, quem sabe, tudo mudará. Vai ter que mudar!
Afinal, como sempre afirmo nos programas de rádio que apresento, "nós, que integramos a maioria absoluta da população que nada tem a ver com o narcotráfico, somos em maior número do que 'eles', os traficantes e outros bandidos ligados a eles por interesses comerciais; portanto 'eles' têm que ter medo, 'nós' não!"
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