Artigo do deputado Marquinhos Trad: 'O caso Picarelli'
Maurício Picarelli é deputado estadual de Mato Grosso do Sul. Eleito pelo PTB, deixou o partido, migrando para o PMDB.
A consulta elaborada pelo ex-PFL, hoje DEMOCRATAS, junto ao TSE reacendeu a discussão sobre a fidelidade partidária em nosso país.
Talvez aqui não existam controvérsias, posto que todos auguram que o princípio da fidelidade partidária seja aplicado aos membros do Colégio Eleitoral.
Todavia, um ângulo novo da consulta erigiu-se com um vigor impactante: trata-se da perda do mandato eletivo por parte daquele que se elegeu por um PARTIDO e depois migrou para outra legenda.
É saber, portanto, se tal decreto caberá à Justiça Eleitoral ou à Mesa Diretora a que pertence o parlamentar.
Muitos sustentam a afirmação de que a decretação da perda do mandato de parlamentar que se opuser às diretrizes fixadas pelo partido é da competência da Presidência do parlamento a que pertence o “infiel”.
Para exame dessa matéria, fazemos as considerações seguintes:
No caso, a perda do mandato parlamentar, a meu ver, configura agressão nítida ao direito do indivíduo que alcançou aquela representação popular. É flagrante que se trata de lesão a direito pessoal.
O princípio da legalidade é basilar na existência do Estado de Direito, determinando a Constituição Federal sua garantia, sempre que houver violação do direito, mediante lesão ou ameaça (art. 5º, XXXV, CF). Dessa forma, será chamado a intervir o Poder Judiciário, que, no exercício da jurisdição, deverá aplicar o direito ao caso concreto.
Esta foi, aliás, uma das grandes conquistas dos povos que lutaram pela distribuição das funções estatais por órgãos distintos e independentes uns dos outros.
O Legislativo legisla, o Executivo administra e o Judiciário julga.
Nem poderia ser de outra forma em face do princípio da separação de Poderes.
Há que se registrar também que a própria técnica redacional das normas acabar por confessar a incompetência da Mesa Diretora em “cassar” o mandato do parlamentar, senão vejamos: Nos termos do inc.V, art. 55 da CF, a Justiça Eleitoral decreta a perda do mandato ao passo que no § 3º, art. 60 da C.E/MS, a Mesa da AL declara a perda.
Com todo respeito, UM é ato constitutivo (decretar); OUTRO é ato declaratório (declarar).
Significa que a atividade da Mesa é vinculativa, ou seja, a Justiça Eleitoral examina a representação partidária e verifica se houve ou não prática da infidelidade.
Denota-se sem qualquer ginástica de inteligência que, concluído pela procedência da representação, após assegurar ampla defesa, a Justiça Eleitoral decreta a perda do mandato. Decretada, comunica-se tal decisão à Mesa dirigente da CASA a que pertença o parlamentar e ela, porque a “perda é automática” em face do decreto judicial, a declara.
Ademais, a fidelidade é ao partido e não à MESA DIRIGENTE. Não cabe a esta fiscalizar a ocorrência ou não da infidelidade do parlamentar ao partido a que está filiado.
Entender-se a Mesa Diretora de uma Casa Legislativa possa decretar a perda de mandato é admitir a vulneração de outro princípio constitucional estabelecido no Capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais do Cidadão da Carta Maior (art. 5º, LV), segundo o qual aos acusados será assegurada ampla defesa.
Outrossim, se a Mesa pudesse “cassar” o mandato, o “acusado” não teria nenhuma defesa. E o texto da Lei refere-se ao acusado, não ao apenado.
Julgar é função do Poder Judiciário e não da Mesa Diretora.
(*) Marquinhos Trad é advogado e deputado estadual pelo PMDB de Mato Grosso do Sul
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home