A fronteira, a avó, o neto, as Farc, a recepção ao PCC e a coca
A fronteira, a avó, o neto, a recepção ao PCC e a coca
Por Armando de Amorim Anache (*)
Respondo, surpreso a abismado: “Querida ‘abuelita’, foi isso mesmo! Mas, é que, às vezes, não tem jeito. Eu peço sempre para que este cálice seja afastado de mim, mas parece que há uma atração.”
Suave, ela emenda: “Tenha cuidado, meu filho querido. Lembre-se do que falava o nosso querido amigo e deputado federal Elísio Curvo, de Corumbá: ‘Armandinho, com a verdade você não fere nem calunia ninguém; mas lembre-se, sempre, que com a mentira você ganha amigos, mas, como você não gosta de faltar com a verdade...’; evite esses temas mais polêmicos, meu netinho.”
Para agradá-la, e também aos demais parentes e amigos que já estão no Plano Superior, garanto, enfaticamente: “Não vou tocar em nenhum assunto polêmico. Eu prometo!”
E ela, feliz no seu descanso eterno, acarinha o netinho: “Isso mesmo, Armandinho. Fale das flores, da meteorologia, da agricultura e pecuária, das festas na cidade, do futebol...”
Corta, rápida na mudança de assunto: “Futebol, não! Não pode! Envolve paixões e dá polêmica.”
Está bem, minha querida e saudosa “abuelita”. Farei, como sempre, tudo o que puder para agradá-la.
Não vou escrever, neste domingo (30), que a facção criminosa PCC manteve um encontro com narcotraficantes, na nossa querida Corumbá. É isso mesmo, minha avó. Toda a imprensa noticia esse fato. Vou fingir que nem sei de nada. Está bem assim, querida vovó?
Só vou contar pra senhora e, depois, pro Nelsão do Salão Imperial, que é um túmulo: Dois homens, enviados pelo PCC (Primeiro Comando da Capital), hospedaram-se em Corumbá e, daqui, foram para a Bolívia. Eles foram recebidos pelo Miguel, filho de Dom Eduardo, que é muito influente em Puerto Quijarro e região.
Sabe, querida vovó, o objetivo da viagem era transformar o PCC numa grande organização internacional de narcotráfico.
Para isso, eles fechariam um acordo com traficantes bolivianos ligados às Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).
E no nosso tempo, hein, vovó? Íamos à Bolívia comprar chocolates, casacos que eu usava no Liceu, na fria Campinas, e brinquedos na dona Maruja, mulher de Dom Alfredo, lembra? Tempos inocentes, não?
Ela responde, atenta ao relato que faço e já demonstrando preocupação: “Era isso mesmo, meu netinho. A estrada até Puerto Suárez era de terra e... Mas, você já está falando de tráfico?”
Garanto que é só pra ela. E prossigo: A intenção dos emissários do PCC era garantir o fornecimento de uma tonelada de cocaína por mês, junto com fuzis e explosivos destinados a atentados contra autoridades, bancos, policiais e outros.
A imprensa conta, neste domingo (30) – não sou eu, não, vovó querida; fique tranqüila, porque estou entusiasmado com o projeto de me tornar, até mesmo, colunista social – uma categoria que muito respeito e admiro! -, para falar de amenidades, ok? – que tudo aconteceu em janeiro, quando a polícia, instalada na base de fronteira, pertinho de Puerto Quijarro, atendeu ao telefone. Era Dom Eduardo, pedindo ao policial boliviano a gentileza de conceder visto de permanência de 90 dias para os viajantes brasileiros do PCC.
Falo bem baixinho: “Vovó, está me ouvindo?” Ela responde que sim. O telefone é bom. Prossigo, sussurrando: O nome do enviado pela cúpula do PCC, em São Paulo, é Wagner Roberto Raposo Olzon, o “Fusca”; e um ajudante, cujo nome não tenho.
O “Fusca” foi preso pela ROTA, na zona Norte de São Paulo, em 28 de fevereiro. Com ele, estava um relatório manuscrito, onde o tesoureiro da facção criminosa descrevia toda a operação desenvolvida na Bolívia, em nome da “família”, como prefere ser chamado, atualmente, o PCC. Ficou combinado e fechado, com o filho de Dom Eduardo, o fornecimento de 50 a 70 quilos de cocaína, por mês.
Ouço do outro lado da linha, direto do céu: “Mas, que coisa feia e perigosa, meu filho. Nem pense em noticiar isso, está bem? Você prometeu à sua ‘abuelita’, não foi?”
Respondo que sim. E acrescento que não vou revelar a quantia envolvida na transação criminosa. É que quando estive nos Estados Unidos, em 1994, convidado pelo Departamento de Estado, ouvi e aprendi, numa das palestras ministradas por especialistas no combate, e também na prevenção ao uso e abuso de drogas, que os jornalistas não devem – é uma orientação, não é censura, ok? – divulgar quantias envolvidas em operações criminosas que envolvem drogas. É para não aguçar a curiosidade das pessoas. Normalmente, as cifras são muito altas, principalmente quando se leva em conta o alto lucro obtido pelo narcotráfico.
Posso revelar, no entanto, que o valor combinado para a compra da cocaína, não variou muito, em comparação com aqueles de 1990 ou 1991. Tudo em dólar, sem contar o “frete” da Bolívia até São Paulo.
“Que história preocupante, meu netinho”, diz a minha “abuelita”. Eu concordo com ela e, antes de desligar, já emocionado pelo privilégio de poder ouvir, novamente, a sua doce voz, digo: “Fique tranqüila, vovó. Essa reportagem, do colega Marcelo Godoy, está no Estadão de hoje, domingo (30) - e até me recordo do querido e saudoso tio e poeta Alceste de Castro, que lia, em Campinas, a grossa edição de domingo, nos anos 1970, quando vinham versos dos 'Lusíadas', de Camões, no lugar das notícias censuradas -, e a Agência Estado já distribuiu para todo Brasil. Estou fora dessa. Nem preciso noticiar e, assim, ninguém vai ficar furioso comigo. Está bem assim?” Ela concorda, manda um beijo gostoso e desliga, não sem antes dizer: “Juízo, meu netinho”.
Solto um sorriso e emendo: “Ah, vovó, a partir de hoje só noticiarei amenidades, ok? Deixarei o jornalismo investigativo postergado a um décimo plano. Beijos. Saudades, ‘abuelita’ querida”.
O que um neto é capaz de falar, para agradar uma avó querida. Não é mesmo, leitor?
(*) Jornalista e blogueiro
"A luta de um repórter pela vida": http://aaanache.googlepages.com/home
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