Miguel Arraes de Alencar
Miguel Arraes de Alencar
Por Sérgio Montenegro Filho
"Doutor Miguel Arraes não vai ser enterrado. Vai ser plantado". Uma frase como essa não precisa de interpretação. Ela é simples no seu significado. Tão simples como o homem do campo que a pronunciou, quase como uma tentativa de consolo próprio, menos pela perda do homem Arraes, e muito mais pelo desaparecimento de um herói do povo.
Aquele cuja imagem sofreu todo tipo de ataque dos opositores, porque incomodava, mas que, no imaginário dos "pés descalços", dos "excluídos" - como ele chamava - deve continuar intocada.
Miguel Arraes era um homem de bem, na acepção da palavra. Polêmico. Às vezes duro. Quase sempre dócil. Um negociador hábil até com os adversários, que só se recusou a negociar com seus carrascos, em 1964. Para muitos, era um político difícil de ser interpretado, porque não gostava de falar muito. Mas era por seus gestos e atitudes que se podia entender o que ele queria dizer.
Foi isso que aprendi em quase duas décadas de jornalismo, tempo em que mantive muitos contatos com o "velho". Terminei premiado, se posso dizer assim, por ter sido a mim que ele concedeu sua última, e longa, entrevista. Foi para a série sobre os vinte anos da Nova República - publicada pelo JC entre janeiro e março de 2005 - e reeditada no caderno especial publicado neste domingo.
O encontro foi partilhado pelo cientista político e Túlio Velho Barreto e pelo companheiro Paulo Sérgio Scarpa, colunista do JC e um homem apaixonado por Arraes como poucos que conheci. Foram quase três horas de conversa sobre política na mais pura essência. O "doutor" falava com a mesma facilidade sobre conjuntura municipal, sobre o cenário nacional e sobre política internacional, sem perder o bom-humor característico. Fomos brindados, naquele dia, com várias das suas boas gargalhadas.
No sábado, ao ouvir a frase do matuto sobre o " Pai Arraia", como era chamado nas suas tumultuadas visitas ao Sertão - que lhe valeram o apelido de "acaba-feira" - caí na real: Arraes morreu! E o duro é saber que isso significa, acima de tudo, o fim de uma geração de políticos com P maiúsculo, que com suas lutas populares marcou a agitada segunda metade do Século 20.
Era uma gente que nada tinha a ver com essa "politiquinha" que se faz hoje. Ou "politicagem", se preferir o leitor. Miguel Arraes foi juntar-se a homens como Leonel Brizola, Tancredo Neves, Ulysses Guimarães, Luís Carlos Prestes, João Goulart, Juscelino Kubitscheck, e outros tantos. Ideologias - e simpatias - à parte, essa foi uma geração se esforçou para deixar aos seus descendentes políticos um exemplo bravo de luta. Uma lição que, lamentavelmente, poucos aprenderam.
Arraes não gostava de ser chamado de mito. Dizia que não era infalível. E não era. Como homem, havia os que o antipatizavam, criticavam ou condenavam por seus atos. E como homem comum, ele também tomou decisões erradas e fez desafetos.
Mas também enfrentou situações diante das quais muitos homens comuns poderiam ter sucumbido. Imagine entrar na política pensando em trabalhar pelo bem comum, pelo homem do campo, pelos pobres. De repente, exatamente por causa desse ideal, foi declarado inimigo do Estado, preso, deposto do cargo para o qual foi eleito pelo voto popular livre, e condenado a viver por quase vinte anos no exterior, proibido de retornar ao seu País.
Assim foi com Miguel Arraes e com vários outros. Alguns voltaram, mas desistiram de lutar. Outros amargaram seqüelas permanentes. O ex-governador deposto optou por levantar a cabeça e buscar, novamente, o campo de batalha.
Nacionalista, porém aberto às mudanças no mundo. Duro crítico dos oligarcas e dos monopólios. Defensor ardoroso do homem simples, oprimido. Assim era Miguel Arraes.
Mas Arraes também era o marido de Madalena, pai de dez filhos, avô, bisavô. Gostava de arte e literatura. Fumava cachimbo e charuto. Apreciava um bom uísque e a comida regional. Um retrato modesto de um homem de bem, que tirou da vida o que ela pôde lhe oferecer, sem reclamar mais. E deixou uma enorme lição de humanidade.
Só temos que agradecer.
(*)Sérgio Montenegro Filho é repórter especial da Editoria de Política do Jornal do Commercio, em Recife, PE
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