, para os leitores que não estão muito familiarizados com o narcotráfico no Rio de Janeiro (são duas postagens que publico aqui no blog, uma do dia 13 e outra de 11 de dezembro, sobre o mesmo tema):
Ainda repercutindo o nosso post anterior, sobre as "milícias" que andam expulsando traficantes de comunidades carentes, algumas observações suplementares são necessárias:
A polícia militar do Rio de Janeiro possui o GPAE (grupo de policiamento em áreas especiais), que como o próprio nome já diz, se propõe a policiar algumas favelas.
Em outras favelas, existem instalações policiais permanentes, conhecidas como DPO's - destacamentos de policiamento ostensivo.
Há ainda os casos em que algumas favelas sofrem temporariamente "ocupações" feitas pela polícia militar em razão de algum crime de repercussão.
Em qualquer das três alternativas acima enumeradas, o tráfico de drogas não desaparece nem cessa, mas encontra um meio de "conviver" com a presença policial.
É uma coisa do tipo, o policial faz de conta que policia e o traficante faz de conta que não trafica!
O interessante é que onde as "milícias" se instalam, o tráfico e os traficantes de drogas realmente são expulsos.
Qual é o segredo das "milícias"?
Por que a polícia não consegue fazer o que as "milícias" fazem, se já se sabe que ambas são compostas pelo mesmo elemento humano?
Já há gente pregando a institucionalização das "milícias", vez que elas parecem ser bem sucedidas onde a polícia e o Estado falham.
Reproduzimos abaixo, interessante entrevista da Inspetora da polícia civil carioca MARINA MAGESSI (nossa amiga), eleita deputada federal, que se tornou conhecida por ser responsável por várias ações de êxito contra a criminalidade.
“Hoje o crime está sem lógica”
Policial que se elegeu deputada defende milícias armadas nos bairros, diz que o tráfico faliu e teme crime desorganizado
Por Aziz Filho
ISTOÉ – Por que trocar a delegacia pelo Congresso?
Marina Maggessi – O que eu gostava – combater o que chamavam de crime organizado – já não dá mais para fazer.
O tráfico foi acabando e dando lugar a esses moleques miseráveis que nunca foram à escola, não têm dentes e são extremamente viciados.
É o crime desorganizado.
Meu trabalho perdeu a essência e o que chegava para mim era essa molecada descalça.
A função de um deputado federal não é só legislar, é também fiscalizar o Executivo.
Vou defender uma Lei Orgânica da Polícia Civil para o Brasil todo, que tire a ingerência política e faça com que a polícia seja escolhida com critérios técnicos, nos moldes do Ministério Público, com autonomia, gestão financeira própria e blindagem a indicações políticas.
ISTOÉ – A corrupção da polícia não seria um perigo?
Marina – O que você entende por corrupção?
Se for a do guarda que pega R$ 10 para não dar uma multa de R$ 100, então ela é endêmica, está na sociedade.
ISTOÉ – E recolher dinheiro do tráfico?
Marina – O tráfico não tem mais dinheiro, faliu.
Hoje temos as favelas da Rocinha e Mangueira como distribuidoras.
Quem as sustenta?
A classe média alta.
A Rocinha só tem o dinheiro que tem em razão de sua vizinhança.
ISTOÉ – O que aconteceu? As pessoas pararam de cheirar cocaína?
Marina – Nos anos 80, a cocaína entrou no Rio, mas só nas camadas mais altas, artistas e intelectuais.
Enquanto ficou nessa esfera, estava tudo bom.
A desgraça foi quando chegou na miséria.
O pobre se viciou e viu nisso um grande filão de dinheiro.
Existiam os barões do pó.
O Uê, o Robertinho de Lucas etc...não eram moleques, eram homens com certo grau de inteligência, apesar da pouca escolaridade.
O Uê, quando foi preso, tinha três aviões na fronteira.
Naqueles anos de 1996 e 1997 nós prendemos todo mundo: o Uê, em Fortaleza, o Marcinho VP, em Porto Alegre, o Robertinho de Lucas, no Recife.
E aí foi uma sucessão.
Não matamos ninguém e prendemos os cabeças.
ISTOÉ – Os chefões não foram substituídos?
Marina – Eles se dilaceraram.
Antes só existia o Comando Vermelho e quem destruiu essa harmonia foi o Uê, quando matou o Orlando Jogador, seu concorrente.
O Uê não tinha medidas.
Além de inteligente, era um homem bonito e negociava com os cartéis.
A identidade dele era de engenheiro paulista.
Foi preso em um hotel cinco estrelas em Fortaleza, curtindo a vida.
Outra grande burrice do CV foi quando o Elias Maluco matou Tim Lopes e a mídia descobriu que tinha algo horrível do outro lado do túnel.
Só na Vila Cruzeiro eram 200 ossadas não identificadas.
Aí a polícia ganhou voz para dizer: toda cocaína cheirada no Rio tem sangue no meio, não existe cocaína limpa.
ISTOÉ – A sociedade entendeu?
Marina – Esse discurso fez a diferença.
Do lado de cá começa a cocaína delivery e de lá a quebradeira.
Começam a fazer crack, que os antigos chefões nunca deixaram.
Além de matar rápido e ser uma droga barata, sem retorno financeiro, deixa o usuário sem controle, um monstro.
A garotada que toma conta das bocas hoje, sem nenhum tino comercial e com apenas umas 20 palavras no vocabulário, começou a usar essa desgraça.
Eles não têm nenhuma instituição atrás deles: escola, família, igreja, Estado, nada.
Só pertencem à facção.
Parece algo menor, mais fácil de combater.
Mas é muito mais difícil porque não tem lógica.
Prejudica todo trabalho de inteligência.
ISTOÉ – O que mudou entre os usuários?
Marina – A zona sul passou a usar ecstasy, que não tem nada a ver com favela.
É uma anfetamina com efeito parecido ao da cocaína: dá sensação de poder, liberdade, um poderoso estimulante para quem pode pagar R$ 50 por um comprimido.
Para o pessoalzinho da zona sul fica na cabeça que é uma droga limpa porque vem da Europa, não está na favela.
O pai e a mãe não enchem o saco e dizem:
“Meu filho não toma álcool, só bebe água e dança a noite toda.”
É fácil de esconder em casa, de carregar, só um comprimido ou diluído no colírio.
Já a garotada do subúrbio está cada vez mais violenta e com a cara enfiada no crack.
Vai buscar dinheiro onde existe, na zona sul."
O noticiário do Rio de Janeiro, ultimamente, não fala de outra coisa, senão das “milícias” que estão expulsando traficantes de favelas cariocas e ocupando seu lugar.
O assunto não é novo, já foi tema de uma tese de doutorado de acadêmicos da PUC (Pontifícia Universidade Católica), do Rio de Janeiro, que estudou o fenômeno ocorrido na favela Rio das Pedras no bairro de Jacarepaguá, onde há vários anos não há traficantes de drogas.
A comunidade goza da segurança proporcionada por uma “milícia” formada por policiais e bombeiros militares, além de ex-policiais e alguns agregados.
A questão é que o fenômeno das “milícias” agora vem se expandindo, e já são dezenas de comunidades carentes do Rio de Janeiro onde os traficantes de drogas foram expulsos e as “milícias” agora dominam os locais.
As “milícias” atuam em um modelo clássico das máfias tradicionais: “vendem proteção”!
Cobram uma taxa de segurança de cerca de 15 reais de cada domicílio das comunidades carentes, cobram ágio na venda de botijões de gás e controlam, também com participação nos lucros, o transporte ilegal de vans e a distribuição “pirata” de sinais de TV paga, o chamado GATONET.
As "milícias" também cobram uma comi$$ão sobre a venda de imóveis nas comunidade por elas dominadas.
Estima-se que os ganhos auferidos pelas "milícias" alcancem a cifra de milhões de reais!
Ninguém até agora realizou uma pesquisa com valor científico sobre o que os moradores das comunidades carentes acham da atuação das “milícias”, mas sondagens informais mostram que os moradores preferem as “milícias” aos traficantes de drogas.
É compreensível!
Em primeiro lugar as comunidades ficam livres dos tiroteios entre gangues rivais de traficantes disputando pontos de venda de drogas.
Também não acontecem mais as violentas escaramuças entre narcotraficantes e policiais.
Afinal de contas, as “milícias” nada mais são do que os policiais e similares de “folga”.
É tudo uma ação entre “amigos”!
Desaparece também a má influência dos traficantes de drogas sobre crianças e adolescentes das comunidades carentes, o que os levava ao uso de drogas, ou ao ingresso na então “sedutora” carreira do crime.
Há moradores das tais comunidades controladas pelas “milícias” que afirmam que agora podem dormir com as janelas abertas.
Mas não há a menor dúvida, porém, que a ação das “milícias”, a despeito de todas as suas vantagens sobre a dominação do narcotráfico, é uma afronta à legalidade!
Algumas perguntas incômodas aparecem:
O que acontecerá quando duas “milícias” disputarem o controle sobre a mesma área?
Ocorrerá um tiroteio entre grupos “para-policiais”?
Outra questão que parece estar passando despercebida à grande mídia:
Por que as “milícias” (integradas por policias e assemelhados) conseguem expulsar os narcotraficantes das favelas e ocupar o espaço vazio deixado por eles, e a polícia institucional não consegue fazer o mesmo?
Afinal de contas, a polícia, como instituição, conta, além do poder concreto nada desprezível das armas, com o poder institucional da legalidade, vantagem muito superior à das “milícias”!
O VOX LIBRE tem uma teoria a respeito:
Não é que a polícia, como instituição, não consiga expulsar os narcotraficantes das favelas e impedir seu retorno, é que talvez isso não seja intere$$ante!
Por que fazer uma coisa para não ganhar nada, se em outro momento é possível fazer a mesma coisa quando se obterá um ganho monetário?
Os policiais de “serviço” que não conseguem expulsar definitivamente os narcotraficantes das favelas são os mesmos que conseguem, quando de “folga”, atuando nas “milícias”, botar os criminosos para correr de vez.
Ou seja, na ilegalidade a polícia funciona!
O problema é que os moradores pagam para ter a segurança das “milícias”, quando na verdade estão pagando duas vezes, pois os impostos extorsivos que todos pagamos, já deviam ser suficientes para que tivéssemos “segurança”!
As vantagens e desvantagens da atuação das “milícias” já foram explicadas acima, resta saber o que o governo do Rio de Janeiro vai fazer a respeito.
Se vai instaurar a legalidade em toda a cidade, ou se vai permitir a atuação da polícia “informal” constituída pelas milícias!
O ideal é que todos os cidadãos do estado do Rio de Janeiro tenham segurança sem ter que pagar nada além dos elevados e muitos impostos que já pagam!
E que tenham segurança sem ter que recorrer a "milícias", e que os policiais sejam remunerados de forma justa, sem que precisem fazer fora do "serviço", aquilo que deveriam fazer dentro dele!!!
Enviei ao colega blogueiro Antonio Rayol, na bela Niterói, no Rio de Janeiro, o comentário que reproduzo abaixo:
Caro colega 'blogueiro' (permita-me chama-lo assim) Rayol. Li atentamente a sua postagem e desejo cumprimentá-lo.
Só para informação e ilustração: Em 1985,1986 e 1987, quando fazia reportagens aí no Rio - e os tiroteios, envolvendo quadrilhas que disputavam territórios nos morros, infelizmente já eram uma constante -; ouvi de um delegado estadual, lá na Barra da Tijuca: "Não podemos subir os morros, são ordens do governo." E assim passaram-se os anos. Estamos no século XXI e, como já escreveu Maquiavel, "o mal, enquanto pequeno, é de fácil cura e difícil diagnóstico; mas quando espalha-se, é de fácil diagnóstico e difícil cura."
Em 1990, comecei uma campanha contra as drogas na fronteira do Brasil com a Bolívia. Afinal, as folhas de coca não são cultivadas no Rio ou em São Paulo. Agora, os mesmos narcotraficantes promovem atos de terrorismo, vitimando civis desarmados e sem condições de opor resistência aos atacantes. Creio que, enquanto houver política partidária envolvida nessa questão, que afeta a todos, nada será solucionado. Falo com conhecimento próprio e sofrido.
Abraços respeitosos com os desejos de um próspero Ano Novo.
Atenciosamente,
Armando de Amorim Anache - Jornalista e radialista.
, para acessar a página "A luta de um repórter pela vida", onde estão postadas algumas reportagens sobre a campanha que fiz contra as drogas e em favor da vida, na fronteira do Brasil com a Bolívia.
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