Resultados de pesquisas realizadas por diferentes instituições ao
longo da campanha eleitoral de 2006 revelaram que a cobertura
que os principais jornais e revistas ofereceram dos candidatos a
presidente da República foi desequilibrada, isto é, favoreceu a um
deles. Não foi a primeira vez, certamente, que isso ocorreu, mas
nas eleições de 2006 o fato pôde ser fartamente comprovado e a
cobertura jornalística acabou por transformar-se, no segundo
turno, em tema de debate da própria campanha [cf. V.A. de Lima
(org.), A Mídia nas Eleições de 2006, Editora Fundação Perseu
Abramo, 2007).
Em 2006, apenas a CartaCapital tomou posição editorial a favor
de um dos candidatos. Todas as outras principais revistas e
jornais deixaram de manifestar publicamente sua posição. De
qualquer maneira, a grande mídia sempre insistiu que sua
cobertura é realizada dentro das normas da imparcialidade e
da objetividade jornalística, isto é, sem a intenção de favorecer
a este ou aquele candidato.
Qualquer estudante de jornalismo sabe (ou deveria saber), no
entanto, que imparcialidade e objetividade são princípios
irrealizáveis na prática concreta da apuração e da redação de
notícias, sejam elas de política ou de outra editoria. O que se
busca no jornalismo sério e responsável é minimizar a
contaminação da cobertura pelas preferências pessoais do(a)
repórter e pelos interesses dos donos dos jornais, expressos
nos editoriais e nas colunas de opinião dos respectivos veículos.
Na verdade, uma série de fatores tem tornado a imparcialidade
e a objetividade cada vez mais difíceis na prática jornalística. Um
desses fatores é a transformação das empresas de mídia em
grande conglomerados com interesses amplos e diversificados
em vários setores da economia e, portanto, na formulação de
inúmeras políticas públicas.
Uma das alternativas sempre lembradas para a ausência da
imparcialidade que se manifesta, sobretudo, nas coberturas das
campanhas eleitorais seria que os jornais declarassem publicamente
sua posição política e assumissem a "contaminação" de sua
cobertura jornalística pela posição assumida. O leitor saberia que
o jornal X tem tal posição política e apóia tal candidato e o jornal
Y tem outra posição e apóia outro candidato.
O editorial da Folha
O editorial publicado pela Folha de S. Paulo na sexta-feira (13/6),
em defesa da publicação de entrevistas com candidatos a cargos
eletivos antes da data permitida pela Justiça Eleitoral, coloca dois
elementos interessantes na discussão sobre a cobertura política
dos jornais em períodos eleitorais.
Primeiro, faz uma diferença entre propaganda e material jornalístico.
Para a Folha, o "material jornalístico" – inclusive, entrevistas –
é imparcial e apenas cumpre o dever de informar aos leitores
sobre os candidatos a cargos eletivos. Já a propaganda,
presumivelmente identificada como tal, é "mensagem em geral
paga que tem o intuito de convencer, persuadir" o leitor.
Ora, é sabido que o grande poder da mídia é exatamente tornar
as coisas públicas. Qualquer político precisa de visibilidade (que
só a mídia oferece), mas não basta ter visibilidade, é preciso que
ela seja favorável. Uma matéria jornalística poderá sempre
favorecer ou prejudicar um determinado candidato dependendo
do tipo de visibilidade que ela ofereça: positiva ou negativa. Desta
forma, embora matéria jornalística e propaganda sejam, sim,
diferentes, ambas podem, no entanto, funcionar como fator de
"convencimento" direto e/ou indireto do leitor/eleitor.
Segundo, a Folha argumenta que as limitações da Lei Eleitoral e
das resoluções do TSE se aplicam ao rádio e à televisão – que são
concessões públicas – mas não se aplicam aos jornais. Na verdade,
diz o editorial, "se o jornal desejasse apoiar e promover um
postulante a cargo eletivo, teria pleno direito de fazê-lo".
As emissoras de rádio e de televisão, por serem concessões de
um serviço público, isto é, de todos nós, não podem promover
um determinado candidato porque estaria configurada a quebra
do princípio da "impessoalidade" que rege a prestação de qualquer
serviço público. Mas os jornais não estão sujeitos a essa limitação.
Lembra o editorial corretamente que os jornais "surgiram
vinculados a grupos e partidos políticos".
É verdade. Os jornais chamados "independentes" aparecem com
a necessidade de captar recursos publicitários entre anunciantes
de diferentes posições políticas e partidárias. O jornal não é uma
concessão pública. É uma empresa que sobrevive no mercado
da forma que julgar mais conveniente. Em outras palavras, o
jornal não tem compromisso com o interesse público, o interesse
de todos, como o rádio e a televisão. Pode, eventualmente,
expressar a posição de uma parte, de um partido.
A posição política e seus riscos
Os pontos levantados pelo editorial da Folha de S.Paulo podem
indicar uma saída para a maior transparência das coberturas
jornalísticas nas campanhas eleitorais. Os jornais assumiriam
publicamente sua posição política, o apoio a determinado candidato
e teriam sua credibilidade junto aos leitores alicerçada nessa
posição – e não mais numa suposta imparcialidade da cobertura
política.
Melhor assim do que ter posição política, apoiar um candidato e
"fazer de conta" que a cobertura foi feita com imparcialidade
e objetividade, contrariando as evidências das pesquisas e do
senso comum.
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