O erro começou com as coalizões
O erro começou com as coalizões
Autor de livro sobre o submundo político de Brasília, jornalista se diz surpreso com escândalo petista
Mônica Loureiro
Observador dos bastidores do Congresso Nacional há 20 anos, o jornalista Lucio Vaz reúne em seu primeiro livro, "A ética da malandragem - No submundo do Congresso nacional" (Geração Editorial), várias reportagens sobre políticos corruptos. A edição foi finalizada antes do estouro das denúncias de corrupção no governo Lula e mostra as práticas aterrorizantes de senadores e deputados para tirar o máximo de proveito do poder. Mercado negro de gabinetes, tráfico de cocaína no Congresso, nepotismo, venda de votos, aluguel de legendas e votações em benefício próprio são apenas alguns dos podres registrados e denunciados por Lucio Vaz em seu livro.
Tão surpreso quanto o resto do Brasil diante do envolvimento do governo Lula com um esquema de corrupção, Lucio fala sobre os erros do PT e seu êxtase diante do poder. Na opinião do jornalista, o governo não poderia ter feito coalizões com a direita e o presidente, por sua vez, foi frouxo na investigação das denúncias do mensalão.
TRIBUNA DA IMPRENSA - Em seu livro "A ética da malandragem - No submundo do Congresso Nacional" , políticos do PT não aparecem envolvidos nos casos de corrupção. O partido, citado principalmente nos capítulos "Uma grande família nunca acaba", "IPC - o retorno" e "Eu me perdôo", tem aspecto negativo apenas em relação à dificuldade de liberação de documentos. Desta forma, o quanto essa onda de acusações e depoimentos nas CPIs pegou o senhor de surpresa?
LUCIO VAZ - Esse lado corrupto do PT me surpreendeu e ao País inteiro. Quando Lula foi eleito, pensei: Ele vai ter dificuldades, não vai conseguir dobrar o salário mínimo nem fazer a reforma agrária rapidamente, por exemplo. Agora, não esperava esse viés corrupto. A primeira grande história que surgiu foi a do Waldomiro, mas no início de 2004 e ficou restrito, se tratava de uma fita de antes do governo PT. Como a investigação não andou com a Polícia Federal - o PT reagiu para não permitir a criaçao da CPI - não se chegou a nenhuma prova de corrupção dentro do governo. Acho que fomos um pouco ingênuos mas não dá para culpar ninguém: a imprensa comeu mosca, o Ministério Público e a polícia federal.
O senhor acha que não havia envolvimento por, até então, os petistas serem políticos de oposição?
Com certeza o fato de ter explodido esta coisa de corrupção foi a chegada ao poder. Tem uma máxima que não é correta, mas... "o poder corrompe". Então, como eles se corromperiam se não estavam lidando com dinheiro? Como o Sílvio Pereira que ajudou a organizar o PT por 20 anos e, quando chega ao poder, fica extasiado com um Land Rover! Um cara do PFL, do PSDB, que está no poder há 20 anos e passou por muitas provações, se venderia por mais... Já houve casos de corrupção na prefeitura petista de Santo André, uma cidade de porte médio. A chegada ao poder eleva a corrupção quando, evidentemente, a pessoa não tem uma firmeza de princípios.
Uma vez no governo, o senhor acha que o PT se comporta exatamente como aqueles que criticava ou até pior, já que foi eleito prometendo algo diferente?
A política econômica do governo está igual ao que era com Fernando Henrique, ou seja, neoliberal - acordo com o FMI para manter o superávit primário a qualquer custo, mesmo que isso implique um arrocho fiscal enorme que resulte em falta de dinheiro para investimentos em estradas, hospitais, reforma agrária. Isso tudo porque tem que cumprir a meta de superávit fiscal acordada com o FMI. Aí, não pode aumentar salário mínimo nem fazer nada. Na esfera do Congresso, a atitude é absolutamente fisiológica, com distribuição de cargos e verbas nos mesmos modelos que Fernando Henrique e Sarney faziam. E agora, ainda esse viés de corrupção, que está se mostrando um esquema maior e mais organizado que os governos anteriores, que eram de centro ou centro-direita.
De repente porque também há interesse da direita de escancarar, não?
O erro começou - e eu sempre apontei isso - com o PT fazendo coalizões que envolviam Roberto Jefferson, por exemplo. Acho que o PT tinha que ter alianças mais à esquerda, com o PC do B, PCB, por exemplo, mas foi se afastando desses grupos e se aliando a pessoas que sempre foram adversárias do partido e com prática política diferenciada. Se você acha que vai levar um Roberto Jefferson para dentro do governo para mudar algo, está enganado. Ele é um cavalo de tróia, entra para destruir, arregaçar tudo!
O senhor conseguiria traçar um roteiro do mensalão? Se ele existiu, o senhor acha que o presidente Lula sabia da prática? Pela a sua experiência, há como provar que ele sabia?
O Lula foi avisado do mensalão, ele admitiu e mandou investigar. Mas acho que não fez a cobrança com a firmeza que deveria. Se ele não sabia, de qualquer forma foi omisso. Uma denúncia dessas tem que ser apurada até o fim, doa a quem doer. Ele, no mínimo, foi frouxo. E vamos imaginar que não soubesse de nada: tinha um primeiro ministro, o José Dirceu, que fazia um negócio destes (que eu não acredito que o Delúbio fizesse empréstimos de R$ 40 milhões sem que Dirceu soubesse). Como entrega o governo na mão de um cara que é capaz de montar um esquema de corrupção colossal destes sem que ele, o presidente, tenha controle? Ou seja, Lula abriu mão do poder que tinha e delegou a alguém que não merecia - o que é igualmente grave. Acho que o mensalão não existe nos moldes colocados inicialmente pelo Jefferson. Não era uma mesada religiosa e sim eventual e que não chegaria a 100, 120 deputados. Acho que a cassação vai atingir 20, 30 deputados no máximo.
E um roteiro para as CPIs terminarem em pizza, ou ao menos perder importância? Quais seriam os próximos passos para quem quer engavetar as investigações?
As CPIs vão até o fim porque tem um corpo técnico mais preparado tanto em suas assessorias quanto no âmbito parlamentar. A renúncia do Waldemar já foi um resultado. Ele vai ser processado na Justiça comum e a questão de ele poder se candidatar é uma decisão do eleitor. Se o eleitor de São Paulo acha que tem que eleger o Waldemar em 2006, o que as CPIs têm a ver com isso?
Seu livro confirma que a maior parte dos corruptos vem das regiões Norte e Nordeste. Um dos motivos para tanto abuso seria a imprensa conivente e/ou ausente (como comenta em "O preço do voto")? Apontaria outros motivos?
Em primeiro lugar, o voto é mais barato por lá. Quanto à imprensa, a dos estados pequenos geralmente é comprada, quando não é dos próprios políticos. Me lembro que, numa época no Rio Grande do Norte, tinha quatro grandes retransmissoras, cada uma de um senador de partido diferente. Ou é um grupo político que vende ao governo do momento ou cada grupo tem sua emissora, seu jornal. Isso dificulta as denúncias. Sem dúvida, a imprensa mais livre é a do Rio e a de São Paulo.
Como punir o corruptor? Principalmente no caso de doações para campanhas políticas em troca de favores posteriores?
Essas doações para campanhas, da maneira que foram feitas, são crimes eleitorais, mas de punição muito baixa. Como normalmente são réus primários, nem vão para a cadeia. E acaba no esquecimento. O político fica, por exemplo, três anos inelegível, o que às vezes nem prejudica a eleição seguinte. É uma falha da legislação, que devia prescrever uma punição maior: o cara nunca mais poderia participar de um processo de eleição. Aí te pergunto: por que a legislação é fraca para punir os políticos? Porque quem faz as leis são eles próprios!
De todas as reportagens que o senhor fez e estão - ou não - no livro, qual mais o revoltou?
A dos meninos ("Meninos do Brasil", onde menores eram recrutados como lixeiros em Marabá (Pará) e sofriam abusos sexuais com envolvimento do deputado estadual Osvaldo Mutran) que fiz em 1991, me marcou muito. Na época, eu tinha filho da idade daqueles meninos. Como também a "Nas terras de João Alves", onde as mulheres faziam ligação de trompas em troca de votos. Uma bastante tensa foi a de tráfico de cocaína no Congresso ("Tem cocaína, presidente?"), onde sofri ameaças de morte, mas não me comove muito. A gente fala de CPI, milhões de reais, coisas tão técnicas, abstratas que parecem não ter a ver com o mundo real. Na medida em que se desvia dinheiro público, se retira as condições das pessoas de ter uma alimentação, moradia e saúde melhor. Estão se roubando as coisas mais elementares das pessoas mais humildes.
O quanto é difícil manter o profissionalismo - e a calma - diante de políticos que mentem ou ironizam descaradamente?
É uma parte mais tranqüila para mim, porque já cobri muito este mundo... Você tem que sair para jantar com cara para ele não entregar a si próprio, mas o adversário. Eu mostrava a minha agenda e as pessoas ficavam horrorizadas: tinha o telefone da casa dos políticos, da amante, do motorista, do segurança particular, do lugar-tenente. Você tem que conviver com este mundo, senão não consegue trabalhar. Tive um enfartezinho um ano e meio atrás, nada demais (ri). Nossa profissão é muito estressante, hoje me cuido mais, antes bebia e fumava muito.
E como se sente diante de tantas denúncias feitas mas que nem sempre são suficientes para modificar a situação?
Acho que tudo tem tido repercussão boa, sim. O impeachment do Collor mesmo: o que detonou a investigação foram as matérias em revistas e jornais. As matérias sobre nepotismo, por exemplo, têm criado conseqüências e forçado uma transparência. Hoje, deputados podem até ter três ou quatro parentes empregados, mas não é mais como antes. Tudo pode ser acessado no boletim administrativo dos partidos, há 10 anos, estas informações eram caixa 2, caixa preta.
O senhor diria que seu livro é oportuno ou oportunista?
É engraçado, porque as pessoas acham que é sobre o mensalão... É meu primeiro livro. E é oportuno, porque comecei a escrever há um ano. Já tinha as matérias, mas precisei fazer uma pesquisa, falar com as pessoas de novo, me aprofundar e atualizar making-off e diálogos que não constavam nas matérias. Coloquei um ponto final nele em março e ficou ainda três meses na gráfica. Só em maio que estourou o caso dos correios. A única coincidência foi a eleição de Severino Cavalcanti. O nome dele estava citado em vários capítulos do livro e aí resolvi fazer um só para ele ("Os severinos"), o que não mudou em nada a história do livro. Muita coisa ficou de fora e, quem sabe, tenha "A ética da malandragem II - outras histórias"...
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