Artigo: Penas de aves como indicadores de mercúrio no Pantanal
Penas de aves como indicadores de mercúrio no Pantanal
Por Luiz Marques Vieira (*)
Não há mais dúvida que a expansão desordenada da agropecuária e agroindústrias nos planaltos da Bacia do Alto Paraguai, está contribuindo para acelerar o processo de degradação ambiental do Pantanal. Além dos processos erosivos e o subseqüente assoreamento dos sistemas aquáticos, muitos estudos revelam que a utilização de pesticidas na agropecuária são fontes potenciais dinâmicas de metais pesados para os ecossistemas aquáticos da planície. Investigações da Embrapa Pantanal, indicam que o mercúrio (Hg) empregado na extração de ouro de aluvião nos garimpos de Poconé, adjacentes ao Pantanal, desde o início dos anos 80, está elevando os teores desse metal nas cadeias alimentares. Uma das dificuldades na procissão dessa poluição é definir indicadores com potencial de expressar a concentração de mercúrio, sem grandes dificuldades de amostragem, boa reprodutibilidade dos resultados analíticos e que permita o monitoramento.
As aves, por ocuparem nível trófico elevado, comparável ao do homem, são muito usadas como uma boa e precoce indicação do potencial de poluição passível de ser perigoso ao homem. As espécies de aves aquáticas que se alimentam de peixes, como estão presentes em todos os "habitats" de água doce e pôr ocuparem diferentes nichos ecológicos, têm elevado potencial de serem utilizadas como bons indicadores de contaminação ambiental em cadeias alimentares aquáticas. Muitos estudos têm evidenciado que as aves constituem-se em organismos muito sensíveis e vulneráveis às contaminações ambientais pôr substâncias xenobióticas, principalmente aquelas que se biomagnificam nas cadeias alimentares, como é o caso do mercúrio.
A demonstração de que penas se constituem num bom indicador de mercúrio no diagnóstico de poluição ambiental foi aconteceu em 1966, na Suécia.
A Suécia foi pioneira no emprego de penas no diagnóstico de poluição ambiental por mercúrio. Posteriormente foi verificado que 50% do mercúrio acumulado no corpo de uma dada espécie de garça-branca, tanto jovens quanto adultas, se encontrava nas penas. Foi também demonstrado que o mercúrio depositado nas penas durante o processo de sua formação não sofre alteração na sua concentração. Em função disso, penas de aves que vivem em ambientes alagados no Pantanal foram utilizadas na prospecção de mercúrio (Hg) ambiental. A literatura cita que penas de aves são vantajosas porque são facilmente conservadas e o Hg acumulado por ocasião da sua formação, além de refletir o nível de Hg na dieta, não sofre alterações durante o armazenamento, permitindo o monitoramento ao longo do tempo. Para viabilizar esse diagnóstico, desenvolvemos uma pesquisa para verificar se a espécie de ave, o sexo e a época de captura são fatores que influenciam a de concentração de Hg nas penas primárias nas condições do Pantanal. O mercúrio total nas penas provenientes de 91 indivíduos de 4 espécies de aves, sendo 18 biguás, 19 garças-brancas-grandes, 30 gaviões-caramujeiros e 24 carões foi analisado por espectrofotometria de absorção atômica. Os resultados evidenciaram que as espécies testadas apresentam mecanismos diferenciados de bioconcentração de Hg nas penas primárias. A concentração média e o desvio-padrão de Hg (mg.g.-1 - base úmida) nas penas das aves avaliadas foram: biguá (1,99 ± 0,86), garça (1,93 ± 0,96), gavião caramujeiro (1,29 ± 0,67) e carão (0,64 ± 0,39). respectivamente. É interessante constatar que todas as médias estão acima de 0,5 mg.g.-1 , que é o limite máximo recomendado pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) para proteger predadores na cadeia alimentar aquática. Essas diferenças encontradas nos teores de Hg entre as espécies são explicadas com base na dieta alimentar. O biguá e a garça se alimentam principalmente de peixes, e o gavião-caramujeiro e o carão de moluscos. Verificou-se também que o biguá apresentou o maior teor de Hg no conteúdo estomacal. Além disso, essa maior habilidade do biguá, em relação a garça, na concentração de Hg nas penas primárias pode ser entendida pelas diferenças na estratégia da captura de presas de hábitos alimentares tanto de fundo quanto da coluna d´água. Essa maior habilidade do biguá de concentração de Hg nas penas caracteriza a espécie como boa indicadora de contaminação ambiental. Os dados também revelaram que a época de captura das aves é fator relevante, indicando que o teor de Hg nas penas é influenciado pelas variações sazonais. Esses resultados, além de indicarem que as penas dos biguás podem ser utilizadas no diagnóstico de contaminação ambiental, sugerem biomagnificação de Hg no Pantanal, o que revela preocupações pelas restrições que podem advir no aproveitamento sustentável dos recursos naturais do Pantanal.
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(*) Luiz Marques Vieira (lvieira@cpap.embrapa.br), Engenheiro Agrônomo, MSc. em Zootecnia e Doutor em Ecologia.
É Pesquisador da Embrapa Pantanal na área de Qualidade Ambiental.
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