Por Hiram Reis e Silva (*)
O general Heleno definiu a política indígena brasileira como ‘caótica’ e ‘lamentável’ e criticou a demarcação em área contínua da Reserva Raposa Serra do Sol.
Processo de demarcação
Um grupo de 27 profissionais, entre técnicos e índios, nomeados pela FUNAI, foi encarregado de realizar o levantamento fundiário da reserva, no período de 1991 a 1994. Graças aos estudos dessa comissão, a reserva passou por sucessivas ampliações até ser declarada de posse permanente dos índios com 1,7 milhão de hectares em 11 de dezembro de 1998 pela Portaria nº 820, do Ministério da Justiça, assinada pelo então ministro Renan Calheiros. Em 2005, ela foi homologada pelo presidente Lula.
Laudo Antropológico
“O Laudo Antropológico deve fundamentar-se numa relação de pertinência lógica, enunciando os motivos que determinaram as suas conclusões. É necessário que seja demonstrada a adequação dos pressupostos legais e dos pressupostos de fato com o objeto”.
(Comissão Externa destinada a avaliar, in loco, a situação da demarcação em área contínua da ‘Reserva Indígena Raposa Serra do Sol’,no estado de Roraima - Relator Deputado Lindberg Farias)
Um atento exame do Laudo permite levantar os seguintes questionamentos:
- Participação CIR e CIMI
A participação do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) foi decisiva na elaboração do Laudo. A análise da situação fundiária da Raposa Serra do Sol foi baseada em levantamento realizado pelo próprio CIR. O texto declara que ‘foi visando a ampliar seu campo de atuação política e defender sua terra, que o CIR encaminhou ao Grupo de Trabalho a pesquisa sobre a situação fundiária da Área Indígena Raposa Serra do Sol.’ Como agravante, o parecer jurídico do Laudo foi escrito pelo advogado Felisberto Assunção Damaceno, membro do CIMI.
A elaboração de parecer jurídico e peças centrais do laudo por essas entidades comprometem a isenção do processo, e caracterizam o comprometimento da Administração Pública.
- História do Contato
A seqüência cronológica de contatos descrita no item “História do Contato” reforça a tese de que a região experimentou desde o Século XVII um processo histórico de interação cultural, e reforça a falha do Laudo em tentar comprovar o atendimento aos requisitos do art. 231 da Constituição.
- Atividades Sócio-econômicas
No item “Atividades Sócio-econômicas”, não há referência à delimitação das áreas utilizadas pelos índios para suas atividades. A região possui grande extensão territorial, com fazendas seculares, tituladas antes mesmo da existência do Território de Roraima, áreas urbanas e rurais destinadas a atividades agrícolas e pastoris.
A Constituição define as terras indígenas tradicionalmente ocupadas pelos índios e caberia ao laudo identificá-las. Na busca de espaços territoriais que preencham os requisitos estabelecidos, o laudo é falho ao não delimitá-los, promovendo a demarcação das terras ocupadas pelos não-índios.
- Proposta de Demarcação de Área Indígena
Na “Proposta de Demarcação de Área Indígena”, redigida em apenas três páginas, o que deveria ser uma proposta reduz-se à reprodução cronológica do processo de reconhecimento das terras indígenas.
Chama atenção o fato de que as delimitações das áreas foram evoluindo, partindo do reconhecimento da existência de várias etnias que ocupavam áreas específicas, para a constituição de uma colônia indígena - que é “área destinada à exploração agropecuária, administrada pelo órgão de assistência ao índio, onde convivam tribos aculturadas e membros da comunidade nacional” e, posteriormente, para uma área única e contínua.
- Parecer Jurídico
O item “Parecer Jurídico” pode ser utilizado para qualquer demarcação, visto que dá ênfase aos aspectos jurídicos específicos apenas da legislação indígena, e parte da premissa de que “as posses primárias são as indígenas, e os índios os primeiros ocupantes” - o que nos leva a concluir que todas as terras brasileiras seriam, por direito, indígenas.
Segundo Konrad Hesse, professor de Direito Público e Eclesiástico da Universidade de Freiburg (Alemanha), “a constituição jurídica está condicionada pela realidade histórica. Ela não pode ser separada da realidade concreta de seu tempo. A pretensão de eficácia da Constituição somente pode ser realizada se se levar em conta essa realidade”. Além disso, os mandamentos constitucionais são harmônicos entre si, de tal forma que uma norma não se sobrepõe a outra. Mas têm a sua vigência e aplicação delimitadas pelas demais. A proteção constitucional implícita no art. 231 não exclui outros direitos garantidos pela Constituição.
- Conclusão
A “Conclusão” do Laudo Antropológico limita-se a corroborar a demarcação de 1.678.800 hectares, sem fundamentar-se em atos e fatos que lhe possam dar credibilidade. Questiona-se, portanto, se o processo administrativo foi instruído com informações confiáveis, que tenham suporte na realidade social e econômica da área a ser demarcada.
Demarcação Fraudulenta
O laudo não contou com a necessária isenção. Uma leitura atenta do Laudo Antropológico nos permite verificar que a presença da sociedade nacional naquela região é inquestionável e que o processo histórico da interação entre etnias, raças e culturas é uma realidade incontestável. Os aglomerados urbanos, cidades, vilas, posses e fazendas centenárias ali existentes, e a presença das atividades agropastoris, comprovam a presença do não-índio e uma intensa miscigenação. A administração não pode ignorar esta realidade. Dessa forma, a demarcação da área como deseja a FUNAI não tem apoio na realidade social da região, fazendo-se necessária uma revisão da área demarcada.
Os senhores ministros do STF já deram sobejas demonstrações à sociedade brasileira de justiça, serenidade e competência, principalmente em relação aos últimos acontecimentos na convulsionada região. Chegou o momento de determinar a anulação da dita demarcação já que ela atenta contra todos os princípios legais e do bom senso. O compromisso dos senhores para com a nação determina, ainda, que sejam revistos os processos de demarcação de outras reservas igualmente baseados em laudos falaciosos.
(*) Coronel de Engenharia, professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA)
Rua Dona Eugênia, 1227
Petrópolis - Porto Alegre - RS - 90630 150
Telefone: (51) 3331 6265
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